13 de jun. de 2009

Da medida cautelar interinal "ex officio".

O processo, entendido em sentido amplo como técnica de solução imperativa de crises jurídicas, para ser bem conduzido em busca da almejada paz social, que é a sua finalidade maior, exige do juiz, como cediço, uma atividade mais ativa, distanciada da figura do juiz inerte, o qual se limita a assistir o agir das partes na relação jurídica processual como se fosse um mero espectador, vinculado que se encontra ao vetusto princípio dispositivo decorrente do direito liberal clássico.

Do juiz moderno, diante da manifesta necessidade de emprestar ao processo a indispensável efetividade, não se exige neutralidade, porquanto o processo não pode ser visto como se fosse mero instrumento de realização do direito do mais forte ou do mais astuto/inteligente. O processo, ao revés, constitui-se em instrumento ético-jurídico, devendo ser o mecanismo que propicia ao Estado a realização do justo. Aliás, o acesso a uma ordem jurídica justa jamais será alcançado pelo simples acesso formal à justiça através do exercício do direito de ação. O juiz deve velar para que o processo seja justo e efetivo. É preciso, assim, rever o papel do juiz no processo. O juiz deve ser imparcial, eqüidistante dos interesses dos sujeitos parciais, porém, como afirmado anteriormente, não pode ser neutro. Neste particular, merece ser lembrada a lição de Capelletti (1989, p. 86), por aplicável nos dias atuais, no sentido de que "o papel criativo dos juízes na evolução e modernização do direito constitui agora um dado geralmente aceito. Certamente esse papel implica certo grau de discricionariedade e, por isso, de politicização e socialização da atividade e, assim, do poder jurisdicional". É indispensável que, em nome da efetividade do processo e da consciência do interesse público na realização da justiça, o juiz seja cada vez mais ativo na condução do processo, sob pena de, como afirmou Galena Lacerda (1988, p. 116), "ser gerada a figura absurda e caricata do juiz tímido e inerte no processo civil".

É neste contexto que me disponho a examinar a possibilidade do juiz deferir, sem qualquer ato de incoação processual, medidas cautelares no bojo dos processos destinados ao exercício da atividade jurisdicional primária (conhecimento e execução), à luz do que preconiza o artigo 797 do Código de Processo Civil.


2 DA TUTELA CAUTELAR

A tutela cautelar, como sabido, tem por finalidade precípua resguardar ou assegurar os efeitos de outro processo. Neste sentido, afigura-se o processo cautelar como verdadeiro tertium genus, modalidade intermediária de exercício da atividade jurisdicional. O processo cautelar, destarte, não tem por escopo a definição (processo de conhecimento), realização ou satisfação (processo de execução) do direito subjetivo material. Por não atuar de forma direta sobre o direito material é que pode ser afirmado que o processo cautelar tem como principal característica a instrumentalidade, sendo ele, portanto, um processo a serviço de outro processo (denominado de principal).

Neste diapasão, ressaltando o objetivo do processo cautelar de assegurar a eficácia da atividade jurisdicional diante do perigo extraordinário efetivo e iminente, encontra-se o escorreito magistério do professor Moreira (1974, p. 236) a saber:

A denominação pode parecer, à primeira vista ou à primeira audição, um pouco rebarbativa, mas na realidade ela reflete muito bem um aspecto da providência instrumental no sentido de que visa a assegurar a eficácia de outra providência jurisdicional, quer cognitiva, quer executória. Neste sentido, até se poderia dizer que a providência cautelar é instrumental em segundo grau. Se todo processo se caracteriza pela instrumentalidade, já que o processo é sempre instrumento de realização do direito substantivo, o processo cautelar será algo como o instrumento do instrumento. Será dotado de uma instrumentalidade ao quadrado, se permitem. Essa instrumentalidade, Calamandrei a qualificava de hipotética. Por que hipotética ? Porque a medida cautelar é concedida para a hipótese de que aquele que a pleiteia eventualmente tenha razão.

Resta claro, assim, que a tutela acautelatória visa resguardar a eficácia de outro processo, não tendo por objetivo a tutela do direito subjetivo material. A afirmação a respeito da existência ou não do direito subjetivo material ou até mesmo a sua implementação ou efetivação ocorrerá sempre no denominado processo principal (cognitivo ou de execução).


3 DA MEDIDA CAUTELAR EX OFFICIO

Dispõe o artigo 797 do Estatuto Processual Civil que "só em casos excepcionais, expressamente autorizados por lei, determinará o juiz medidas cautelares sem a audiência das partes".

O referido artigo, com redação aparentemente simples vem suscitando no seio da doutrina e na práxis forense muitos equívocos e dúvidas na sua interpretação. Na verdade, o aludido artigo não mantém nenhuma relação com a possibilidade de concessão de medidas cautelares inaudita altera parte, matéria regrada pelo artigo 804 do Código de Processo Civil, bem como não versa o mesmo sobre a respeito da aplicação do princípio da fungibilidade às cautelares.

Trata o artigo em comento da possibilidade do juiz, na condução do processo (execução ou conhecimento), deferir medidas cautelares de ofício, sem que tal prática venha malferir o princípio da inércia ou da demanda (também conhecido por parte da doutrina como dispositivo).

Releva salientar que parte da doutrina vem admitindo a concessão de medidas cautelares de ofício apenas nos casos expressamente autorizados, previstos em lei, limitando, desta forma, o alcance da norma ora em estudo. Nesta direção, a lição de Machado (2006, p. 1388), dentre outros, que aduz de forma peremptória o seguinte, in verbis :

O artigo 797 proíbe terminantemente a concessão de medidas cautelares ex officio, isto é, de medidas sem o respectivo processo cautelar, fora de hipóteses expressamente autorizadas; sem audiência das partes, no texto, significa sem requerimento regular por ação. Assim, para que o magistrado possa conceder medida cautelar no bojo do processo de conhecimento ou de execução, independente de ação própria, é sempre necessária que a lei explícita e expressamente o autorize.

Realmente, o Código de Processo Civil cataloga algumas hipóteses em que se torna possível a concessão de medidas cautelares sem provocação da parte interessada, como ocorre com as medidas urgentes durante a suspensão do processo (art. 266), o arresto previsto no artigo 653, prestação de caução na execução em que o título é instável (execução provisória – art. 475-O e segs.) e reserva de quinhão no procedimento de inventário e partilha (arts. 1000 e 1001, ambos do Código de Processo Civil). Contudo, não comungo do entendimento de que a concessão de medidas cautelares de ofício só teria cabimento nas situações expressamente contempladas em lei. A meu ver, o artigo 797 do Código de Processo Civil deve ser interpretado de forma extensiva, para o fim de autorizar a determinação de medidas cautelares interinais de ofício em qualquer situação no processo em que ficar evidenciada a presença dos requisitos indispensáveis à concessão da tutela cautelar incidental, quais sejam , o fumus boni juris e o periculum in mora.

Aspecto relevante para a perfeita compreensão das medidas cautelares de ofício diz respeito ao interesse apto a acarretar proteção de natureza cautelar, circunstância que, infelizmente, vem passando ao largo do exame da doutrina. O interesse cautelar reside na necessidade de afastar determinada situação de perigo ao processo, com o fito de manter a idoneidade dos processos de conhecimento ou de execução. Deve ser indagado, portanto, se o Estado – Jurisdição não tem interesse no sentido de que o processo seja capaz de alcançar o seu objetivo maior de realização do direito material. Em suma, o Estado – Juiz não tem interesse em garantir a efetividade do processo? Apenas as partes possuem interesse de que o processo seja capaz de proteger o direito material, de modo a restaurar a paz social? A resposta só pode ser no sentido de que existem dois interesses: o interesse das partes na obtenção da tutela jurisdicional, o qual denomino de primário; e o interesse do Estado de que o processo seja dotado de efetividade, capaz, segundo a lição de Marinoni (1992, p. 15), de ser o instrumento que "possa realizar os fins ou produzir os efeitos a que se ordene".

Não é por outra razão que Marins (1996, p. 311) aduz que:

O interesse na plena eficácia da atividade jurisdicional, que autoriza o manejo do direito de ação, não se circunscreve ao plano dos interesses particulares ou privados, por refletir também, o interesse do Estado na consecução de um fim seu, que é a realização do direito objetivo, uma vez reclamado pelo seu titular. Com o monopólio da atividade jurisdicional torna-se evidente o interesse do Estado em proporcionar a cada um o que é seu.

Fica claro, desta forma, que a possibilidade de concessão de medidas cautelares de ofício por parte do juiz encontra amparo na necessidade imperiosa que tem o Estado-Juiz de garantir ao processo plena efetividade, afastando qualquer situação de perigo ao próprio exercício da jurisdição. O juiz, portanto, deverá determinar de ofício a prática de medidas cautelares tendentes à salvaguarda do processo, resguardando a sua efetividade, ainda que para tal não tenha sido provocado. Aliás, juiz descomprometido com a efetividade de suas decisões é juiz desconectado com sua verdadeira missão de realizar a justiça.

O artigo 797 do Código de Processo, por outro turno, deve receber ampliação ampliativa, também pelo fato de que as situações de excepcionalidade, por abrangentes, também atingem os casos previstos em lei. Pontifica Aragão (1974, p. 134), com total razão, que "a lei não editou requisitos cumulativos e sim alternativos. Não se trata de casos excepcionais e expressamente autorizados em lei e sim de casos excepcionais ou expressamente autorizados em lê".

Obtempera Câmara (2005, p. 205) da mesma forma, que "apenas considerando-se alternativos os requisitos é que se poderia evitar a afirmação de que ali seriam encontradas palavras inúteis".

Da mesma forma, acentua Marinoni (2005, p. 57) que:

O entendimento contrário, no sentido de que o juiz somente poderia determinar medida cautelar de ofício nos casos expressamente previstos em lei , sendo que estes estariam previstos em lei porque excepcionais, não pode ser aceito, pois não há razão alguma para o legislador redigir um artigo para dizer que o juiz pode fazer alguma coisa que já lhe está autorizada pela lei. O artigo 797, em outras palavras, permite que o juiz aja de ofício, determinando medida cautelar, diante de qualquer caso excepcional, até porque, se o caso é realmente excepcional, não pode ser abstratamente formulado e previsto pelo legislador.

Ressalto, porém, que as medidas cautelares imprópria ou internas só poderão ser concedidas no âmbito dos processos de conhecimento ou execução, para a proteção ou manutenção da idoneidade de tais modalidades processuais, jamais de forma antecedente, sob pena de afronta ao princípio da demanda consagrado no artigo 262 do Código de Processo Civil. É que, nunca é demais repetir, não é possível ao juiz iniciar, ex officio, ações cautelares (nemo judex sine actore). As medidas cautelares que denomino de impróprias só podem ser concedidas no bojo dos processos que elas visam proteger, enquanto as medidas cautelares próprias são aquelas obtidas em sede de processo cautelar. O artigo 797 do Código de Processo Civil trata, à toda evidência, das medidas cautelares impróprias, também denominadas incidentais.

Da mesma forma, se é possível ao juiz, como já sobejamente demonstrado, a concessão de medidas cautelares incidentais nos processos de execução ou de conhecimento, para garantir a efetividade de tais processos, não existe, por razão de lógica jurídica, nenhum inconveniente no sentido de que a parte tome a iniciativa de postular a concessão de tais medidas.


4 CONCLUSÃO

A medida cautelar ex officio poderá ser concedida pelo juiz nos processos de conhecimento ou de execução, em qualquer situação de excepcionalidade, uma vez presentes os requisitos genéricos para a concessão da tutela acautelatória (aparência do direito e perigo de dano ao processo), devendo o juiz dar ao artigo 797 do Código de Processo Civil uma interpretação ampliativa.

A concessão de ofício de medidas cautelares incidentais ou interinais encontra justificativa no poder/dever do juiz de velar pela efetividade do processo, de modo que o Estado – Juiz proporcione ao Autor a atividade jurisdicional postulada na sua integralidade. O juiz deve externar no processo, através da concessão de medidas internas de proteção ao mesmo, o interesse do Estado de que o processo seja instrumento capaz de atingir os seus objetivos.

O juiz deve manter imparcialidade diante do tema litigioso que lhe é levado à apreciação, porém não deve ser neutro diante da conduta processual das partes, devendo, através da prática de atos processuais de eficácia imediata, assegurar às partes tratamento isonômico, transformando o processo em verdadeiro modelo ético-jurídico de realização do justo, capaz de resolver o conflito intersubjetivo existente entre as partes na sua inteireza. Ao demonstrar preocupação com o destino e eficácia de seus provimentos jurisdicionais, concedendo medidas para a proteção dos mesmos até de ofício, não estará o juiz agindo de forma parcial. Pelo contrário, estará buscando o cumprimento de sua missão constitucional de pacificação social.


REFERÊNCIAS

ARAGÃO, Moniz de. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. VII, São Paulo: Forense, 1974, p. 134.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. III, ed. Lumen e Juris, Rio de Janeiro: 2005, p. 205.

CAPELLETTI, Mauro. trad. Carlos Alberto A. de Oliveira Juízes Irresponsáveis? Porto Alegre: Sergio Fabris, 1989, p. 86.

LACERDA, Galeno.Comentários ao Código de Processo Civil. vol. VIII, tomo I, p. 116, ed. Forense, 1988.

MACHADO, Antônio Cláudio da Costa. Código de Processo Civil Comentado. 5ª edição, Barueri-SP: Editora Manole, 2006, p. 1388.

MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Cautelar e Tutela Antecipatória. RT, 2ª edição, São Paulo: 1992, p. 15.

MARINONI, Luiz Guilherme.Manual do Processo de Conhecimento. 4ª edição, RT, São Paulo: 2005, p. 57.

MARINS, Victor Alberto Azi Bomfim. Tutela Cautelar. Curitiba: Juruá, 1996, p. 311.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil. Rio de janeiro: Líber Júris, 1974, p. 236.

Aspectos relevantes do cumprimento da sentença. Lei nº 11.232/2005

1 INTRODUÇÃO

O sistema executório da sentença condenatória envolvendo quantia certa contra devedor solvente passou por profundas e importantes modificações com o advento da Lei nº 11.232/2005 (período da vacatio legis – entrará em vigor a partir do dia 23 de junho do fluente ano), tendo o legislador deixando de lado a dicotomia existente entre cognição e execução, típica do processo civil clássico.

No processo civil clássico, fulcrado na estrutura processual continental europeu, a tutela jurisdicional sempre foi prestada através de processos distintos. Sempre houve uma dualidade entre conhecimento e execução. Este sempre foi o sistema por nós adotado. A prestação jurisdicional, porém, à luz do modelo clássico, sempre era incompleta, posto que revelava-se insuficiente a declaração de titularidade a respeito do direito subjetivo, com a elaboração de um preceito concreto na parte dispositiva da sentença, conquanto ainda seria necessária a realização deste direito via execução forçada autônoma.

Foi criada, assim, como ressumbra da dicção do artigo 475-I e segs. do Estatuto Processual Civil, uma fase de cumprimento da sentença condenatória, desenvolvendo-se os atos materiais executórios de forma incidental, com a manutenção da unidade processual. Temos, dessarte, com a novel sistemática, uma execução forçada incidental, restando afastado o processo de execução ex intervallo. A fase de execução da sentença foi deslocada para o contexto do processo de conhecimento, ficando reservada a necessidade da instauração de relação processual juris satisfativa apenas para as execuções aparelhadas por títulos executivos extrajudiciais e algumas situações excepcionais, ainda que o título seja judicializado (dentre outras hipóteses, ação de execução de alimentos com pedido de cominação de prisão e execucional proposta em face da Fazenda Pública – artigo 730 do CPC).

Assim, as mudanças ocorridas afastaram-se da concepção romanística de autonomia dos processos de conhecimento e execução, restando abolida a actio judicati, dando azo ao estabelecimento de um sistema instrumental sincrético, mais próximo da modelagem do real, em atenção aos princípios da efetividade e brevidade processual.

Zamora (1970, p.149), em defesa do sincrestimo processual, sempre combateu a dualidade entre processo de conhecimento e processo de execução, propugnando pela necessidade de que "a unidade da relação jurídica e da função processual se estenda ao longo de todo o procedimento, em vez de romper-se em dado momento".

No Brasil, em sede de doutrina, Theodoro Júnior (1987, p.239), ao apresentar sua tese de doutoramento na Universidade Federal de Minas Gerais, já acentuava a absurdez da manutenção do sistema de dicotomia existente entre cognição e execução, ao asseverar que não haverá "razão, no plano lógico, para continuar a considerar, nas ações condenatórias, a força executória como diferida, se nas ações especiais a execução pode ser admitida como parte integrante essencial da própria ação originária. Nossa proposição é que, em se abandonando velhas e injustificáveis tradições romanísticas, toda e qualquer pretensão condenatória possa ser examinada e atendida dentro de um único processo, de sorte que o ato final de satisfação do direito do autor não venha a se transformar numa nova e injustificável ação, como ocorre atualmente em nosso processo civil".


2 CARACTERÍSTICAS DA FASE INCIDENTAL DE EXECUÇÃO

Preconiza o artigo 475-I do Código de Processo Civil que o cumprimento da sentença de obrigação de fazer, não fazer e de dar será levada a efeito nos termos dos artigos 461 e 461-A. Não ocorreu, desta forma, qualquer alteração no sistema de efetivação das sentenças proferidas em sede de ação de cognição que tenham como objeto obrigação de fazer, não fazer ou dar (coisa certa ou incerta), por prestigiar o sistema a tutela jurisdicional específica ou in natura, com a adoção, inclusive, da classificação quinária das sentenças (executivas ou mandamentais), as quais sempre dispensaram para a realização do direito emanado do comando emergencial das mesmas processo de execução autônomo. As sentenças proferidas no caso vertente, como sabido, possuem efeito executivo imediato.

A grande novidade diz respeito às sentenças condenatórias que versarem sobre obrigação de pagar quantia certa, cuja execução deverá ocorrer de forma incidental, em fase complementar sucessiva, na mesma relação jurídica processual, dispensando-se a instauração de estrutura processual autônoma.

2.1 Do princípio da iniciativa ou da demanda

Uma vez condenado o devedor ao pagamento de quantia certa, poderá o titular do direito, no caso denominado Exeqüente, atento ao princípio dispositivo, requerer a abertura da fase de cumprimento da sentença (artigo 475-J). Não pode o Juiz desencadear, de ofício, a fase processual de execução incidental, por ter restado consagrado pelo legislador o princípio da demanda ou da iniciativa. Não há que se falar na espécie em execução per officium judicis, sendo necessária a provocação do Estado – Juiz através de requerimento articulado pelo Exeqüente. Prevalece no caso em testilha o princípio da oportunidade.

2.2 Do preceito cominatório legal

Com a finalidade de compelir o devedor a solver a obrigação consubstanciada na parte dispositiva do ato sentencial condenatório, título executivo judicial, foi criada multa cominatória de 10% sobre o valor da condenação, revertida em benefício do credor. Deve ser ressaltado que a multa cominatória só terá incidência após a imunização da sentença com a ocorrência do trânsito em julgado, em garantia à estabilidade ou segurança das relações jurídicas, com a expiração do prazo legal de quinze dias, inobstante algumas vozes distoantes defenderem a aplicação da multa a partir do momento em que se tornar possível a execução provisória (exigível o crédito). Assim, na sentença condenatória por quantia líquida (também na decisão de liquidação de sentença), a lei estabeleceu o prazo de quinze dias para que o devedor cumpra voluntariamente sua obrigação. Tal prazo começará a fluir independente de qualquer intimação ao devedor. Antes de expirado o prazo de espera, portanto, o título não será dotado de exigibilidade, não podendo ser deflagrada a fase executória. Neste sentido, aliás, encontra-se o escólio do Prof. Araken de Assis (2006, p.212), o qual acentua que "embora o texto não corresponda, integralmente, ao art. 584 do Ley de Enjuiciamiento Civil espanhola de 2000, claro está que, antes da fluência desse prazo, o requerimento executivo é inadmissível". Tal fato se deve por possuir o denominado prazo de espera a finalidade de evitar o desencadeamento das medidas reais executivas, facultando ao devedor o pagamento espontâneo.

O requerimento de execução incidental, por não possuir natureza de ação, poderá ser articulado de forma simples, sem a necessidade da observância dos requisitos estampados no artigo 282 do CPC, devendo o Exeqüente, contudo, instruir sua postulação incidental com memória pormenorizada de seu crédito, conforme preconiza o artigo 614, inciso II, do Diploma Processual Civil.

A ausência de requerimento de abertura da fase processual complementar de execução no prazo de seis meses importará no arquivamento administrativo dos autos do processo, sem prejuízo do desarquivamento a pedido da parte (o tema prescricional, poderá, mercê da Lei nº 11.280/2006, ser conhecida de ofício pelo Juiz. É que a referida lei revogou o artigo 194 do Código Civil Brasileiro, dando nova redação ao § 5º do artigo 219 do CPC).

2.3 Da segurança do juízo

O Executado não será citado, sendo suprimida a fase de nomeação de bens à constrição, devendo o Juiz, ao admitir a abertura da fase processual de execução, com a necessidade da prática dos atos materiais de sub-rogação por parte do Estado – Jurisdição, determinar a expedição de mandado de penhora e avaliação, com a intimação do Executado apenas quando já perfectibilizada a penhora e realizada a avaliação.

Apesar da omissão da lei, resta claro que se o Exeqüente indicar bem imóvel à penhora, como autoriza o § 3º do artigo 475-J, não ocorrerá a expedição de mandado de constrição, devendo o Juiz determinar, de imediato, desde de que demonstrada a propriedade (a indicação deverá estar instruída com a prova da propriedade – certidão atualizada do imóvel), seja reduzida a termo a indicação, aplicando-se no caso vertente a regra inserta no § 5º do artigo 659 do Código de Processo Civil. O princípio da economia processual recomenda a incidência da norma supra na fase complementar de execução.

O Executado será intimado da penhora e da avaliação na pessoa de seu advogado, o que poderá ocorrer pela imprensa. Poderá ocorrer que o advogado tenha renunciado ao mandato, fato já consumado quando da inauguração da fase processual executória, quando então a intimação deverá ser pessoal. Santos (2006, p. 58), propugna a meu ver com razão, pela possibilidade da intimação ficta na fase de cumprimento, ao pontificar que "não há previsão legal expressa, mas, ocorrendo impossibilidade de intimação ao advogado e pessoalmente ao devedor, ou ao seu representante legal, deve ela ser feita por edital, já que a própria lei optou pela necessidade do ato intimatório obrigatório".

Questão tormentosa não esclarecida pelo novo sistema diz respeito ao arbitramento de verba honorária na fase processual de execução da sentença. Entendo, porém, que o Juiz deve fixar os honorários em favor do advogado do Exeqüente, senão na fase inicial da execução incidental, pelo menos no momento processual do levantamento da importância auferida como conseqüência da expropriação, ou seja, na fase do pagamento. Não tenho dúvidas de que a necessidade de instauração da fase de execução forçada trará ônus para o Exeqüente, mormente por ter o Executado, em razão do não cumprimento da sentença, dado ensejo à indispensabilidade da execução. O princípio da causalidade justifica, a meu sentir, a necessidade da fixação dos honorários, em decorrência da onerosidade superveniente causada ao Exeqüente pela necessidade de instauração da nova fase processual.

2.4 Da reação à execução

Os Embargos foram substituídos pela impugnação. O Executado disporá do prazo de quinze dias para a articulação de sua impugnação, a qual, a meu ver, não possui natureza de ação e sim de defesa incidental. Apesar de ser a impugnação mecanismo de defesa incidental típica da fase de cumprimento, entendo que não deverá ser aplicado ao novo instituto o que preceitua o artigo 191 do Código de Processo Civil, de modo que na hipótese da existência de Executados com procuradores diversos (litisconsórcio passivo) o prazo para a apresentação da impugnação não será em dobro. Com o oferecimento da impugnação haverá necessidade de ser estabelecido o contraditório, com a indispensável oitiva do Exeqüente-Impugnado a respeito da defesa incidental articulada, revelando-se razoável que o prazo concedido ao Exeqüente para manifestar-se seja, igualmente, de quinze dias, em homenagem ao princípio da isonomia ou simetria processual. Não será demais recordar que na observância ao princípio constitucional da ampla defesa a interpretação dos textos legais deverá ser a mais extensiva possível, não podendo o exegeta, neste particular, agir com avareza. Por outro turno, a cognição gerada pela articulação da impugnação não será plenária, uma vez que o legislador, com razão, limitou as matérias que poderão ser alegadas em sítio de defesa incidental apenas àquelas catalogadas pelo artigo 475-L do CPC, normalmente relacionadas a fatos supervenientes à prolação da sentença. É que a sentença, por estar acobertada pela coisa julgada, encerra uma relativa segurança jurídica (digo segurança relativa pela previsão de aforamento de ação rescisória do julgado, com a possibilidade de desconstituição da própria sentença com resolução de mérito).

Deve ser acentuado, ainda, que poderá o Executado oferecer exceção de pré-executividade, posto que a penhora exsurge no novo sistema como condição de admissibilidade da impugnação. O Executado, com certeza, poderá ter interesse em argüir matérias de ordem pública, ou até mesmo relacionadas ao direito material (prescrição e decadência) antes da formalização do ato de constrição, caso tome conhecimento da existência da execucional incidental, ou até mesmo alegando matérias não atingidas, a rigor, pelo fenômeno preclusivo gerado pela decisão a respeito da impugnação. Ressai evidente, portanto, que a utilização da exceção ou objeção de não executividade ficará restrita a situações extraordinárias, diante do também caráter incidental da impugnação. Neste sentido, obtempera Araken de Assis ( ob. cit. p. 307 ) que "a esperança de que, ensejada a defesa do executado através de impugnação incidental, se eliminaria automaticamente o campo propício à exceção de pré-executividade, desvanece-se à primeira vista. Em primeiro lugar, ao executado interessa impedir a penhora; ora, a impugnação pressupõe semelhante constrição, notando-se que o prazo para impugnar ( art. 475-J, § 1º ) fluirá da intimação que porventura se faça desse ato executivo. Ademais, vencido o prazo para impugnar, por qualquer motivo, subsistem as objeções ( por exemplo, a ilegitimidade ) e as exceções ( por exemplo, a prescrição ) imunes ao fenômeno da preclusão".

Novidade digna de aplausos diz respeito à necessidade do Executado indicar, no caso de alegação de excesso de execução, o valor que ele entende correto ou adequado, não sendo mais admitida a denominada impugnação genérica (artigo 475-L, § 2º do CPC). Portanto, a alegação de excesso de execução deverá vir sempre acompanhada da indicação do valor que o Executado entende ser correto, sob pena de rejeição liminar da impugnação. Trata-se, à toda vista, de salutar exigência, porquanto irá evitar que o Executado se limite a aduzir de forma genérica excesso de execução, matéria que, geralmente, tem a finalidade precípua de protelar o desenvolvimento do processo.

Resta claro, por outro lado, a necessidade de intimação do cônjuge do (a) Executado(a), à testa do disposto no artigo 669 do CPC, caso a penhora recaia sobre bem imóvel. Nesta situação, ademais, surge para o cônjuge intimado legitimidade para impugnar a execução incidente, contrapondo-se à pretensão à executar, bem como para opor embargos de terceiro, caso a hipótese seja de defesa de sua meação. A intimação do cônjuge, assim, acarretará a formação de litisconsórcio superveniente ou incidental, sempre necessário. Contudo, em que pese entendimento em sentido contrário, quando o regime matrimonial for o de separação absoluta não haverá necessidade da intimação, posto que desnecessária a outorga uxória para a venda do bem imóvel, desaparecendo a ratio essendi da norma.

A impugnação não terá, via de regra, efeito suspensivo, como aflora da redação do artigo 475-M do CPC, de modo a não servir de empeço ao desenvolvimento do procedimento executório incidental. Porém, o Juiz poderá imprimir efeito suspensivo à impugnação desde que sejam relevantes os fundamentos expendidos e o curso regular da execução for capaz de causar ao Executado grave dano de difícil ou incerta reparação. O Juiz poderá, diante de criterioso exame das alegações, verificando a relevância dos fundamentos lançados em teto de impugnação, ou seja, a razoabilidade do direito invocado, aliado ao periculum in mora em sentido inverso (em favor do Executado), suspender a prática dos atos executórios propriamente ditos.

O Exeqüente, contudo, poderá levantar o efeito suspensivo atribuído à impugnação mediante a prestação de caução idônea nos próprios autos, arbitrada pelo Juiz, com a finalidade de ressarcir o Executado por eventuais prejuízos ou danos sofridos como conseqüência da prática dos atos expropriatórios. O Juiz, releva salientar, não está obrigado, por razões óbvias, a admitir a caução ofertada, mesmo porque a medida poderá não ser conveniente diante da razoabilidade do direito suscitado pelo Executado e da forte possibilidade do Executado sofrer danos por conta dos atos executórios que serão praticados.

Se à impugnação for imprimido efeito suspensivo, será o incidente procedimentalizado nos mesmos autos; mas se incidente a regra geral, de ausência de efeito suspensivo, o processamento ocorrerá em autos apartados, de modo a não servir de óbice à realização dos atos executórios.

2.5 Da natureza da decisão

A decisão que resolver a impugnação produzirá efeitos heterogêneos, dependendo da natureza das matérias aduzidas. Assim, a decisão desafiará recurso de agravo de instrumento se não tiver o condão de dar fim à execução. O recurso adequado será a apelação quando a decisão for capaz de extinguir o processo. Desta forma, sempre terá cabimento o recurso de agravo instrumental quando a impugnação for acolhida em parte ou totalmente inacolhida. Se, por exemplo, a alegação de pagamento superveniente à prolação da sentença condenatória for acolhida o recurso adequado será o de apelação, porquanto o ato jurisdicional em comento terá natureza de sentença, dotado de conteúdo de mérito, potencialmente capaz de dar fim ao processo. Nunca é demais recordar que a sentença não extingue o processo, diante da possibilidade de interposição de recurso, o que nos leva a concluir que apenas a qualidade dos efeitos ou do conteúdo da sentença, ou seja, a coisa julgada, é que tem força para extinguir a relação processual. A sentença, como mera situação jurídica, mutável por excelência, gera para o Juiz apenas a impossibilidade de alterá-la após a sua publicação (princípio da inalterabilidade - artigo 463 do Código de Processo Civil).

A respeito da natureza jurídica da sentença que dará suporte à abertura do procedimento executório incidental, leciona Wambier ( 2006, p.41 ), que "a sentença prolatada ex vi do art. 475-J do CPC, deste modo, é dotada de duas eficácias executivas distintas: é sentença imediatamente executiva, no que respeita à incidência da medida coercitiva; é sentença meramente condenatória, logo, mediatamente executiva, em relação à realização da execução por expropriação".

2.6 Competência na execução da sentença

A competência para a execução da sentença encontra-se disciplinada pelo artigo 475-P e respectivos incisos do Código de Processo Civil.

Nas causas de sua competência originária, a execução incidental deverá ocorrer perante os Tribunais, tendo mantido o legislador, tal como ocorria no sistema anterior, uma modalidade de conexão sucessiva. A competência dos Tribunais, na espécie, é funcional e absoluta. A competência em exame é originária, ou seja, aquela que iniciou no Tribunal e não a que nele chegou por via de recurso, ainda que seja assente o entendimento de que o acórdão tem o condão de substituir a sentença recorrida. A competência será do Juízo que processou a causa no primeiro grau de jurisdição, ou seja, por onde teve curso o processo que originou a sentença condenatória. Deve ser obtemperado, porém, que o Exeqüente poderá optar pelo Juízo do local onde se encontram os bens sujeitos aos atos materiais executórios ou pelo domicílio atual do Executado. De tal arte, deverá o Exeqüente, para exercer tal faculdade, requerer ao Juízo prolator do ato sentencial que determine a remessa dos autos ao Juízo por ele eleito. Nada impedirá que na própria peça de requerimento de abertura da fase de execução forçada incidental o Exeqüente postule a remessa dos autos, em atenção ao princípio da economia processual, sendo certo que o referido requerimento seja feito junto ao Juízo onde foi processada a causa. Neste passo, ocorreu a quebra da competência funcional do Juízo da causa para processar ulterior execução, dando a lei um passo significativo em benefício da brevidade do processo e da economia. Com a criação dos dois foros concorrentes, tornou-se relativa a competência. A disposição ora em análise (artigo 475-P, parágrafo único, do CPC) tem aplicação às sentença homologatórias de conciliação ou transação (artigo 475-N, III), ao acordo extrajudicial homologado judicialmente (artigo 475-N, V) e ao formal e à certidão de partilha (artigo 475-N, VIII ).


3 DIREITO INTERTEMPORAL

Como se infere do artigo 8º, a Lei nº 11.232/2005 entrará em vigor seis meses após sua publicação, o que nos leva a concluir que a aludida lei passará a vigorar em 23/06/2006. Surge, desta forma, a necessidade de resolver as controvérsias que surgirão a respeito do direito intertemporal.

Não deve ser olvidado, por se tratar de regra fundamental, que a lei nova processual deve ser aplicada imediatamente aos processos pendentes, não podendo, contudo, atingir os atos jurídicos processuais já praticados, sob pena de afronta ao ato consolidado.

Dessarte, aos atos já consumados no processo a lei processual nova não tem nenhuma incidência, devendo ser resguardado, inclusive, o direito processual adquirido, posto que às vezes já terá surgido para a parte o direito à prática de determinado ato.

Neste diapasão afirma Assis (2006, p.40), que "citado o executado para pagar ou nomear bens à penhora (artigo 652), na vigência da lei velha, não lhe pode ser subtraído tal direito". É que no exemplo em foco existe em favor da parte Executada um direito processual adquirido, qual seja, o de nomear bens à penhora, sobre o qual não a lei nova não poderá produzir nenhum efeito.

Da mesma forma, não será aplicada a multa cominatória open legis às sentenças proferida sob a égide do sistema antigo. A multa só terá incidência em relação às sentenças prolatadas quando em vigor a Lei nº 11.232/2005, posto que o prazo de espera de quinze dias somente começará a ter curso para as sentenças editadas na vigência da nova lei. Resta claro que sem o prazo de espera não haverá possibilidade de aplicação da multa cominatória legal.


4 CONCLUSÃO

As mudanças trazidas pela Lei nº 11.232/2005, ao que se vê, romperam com o sistema processual clássico, com a finalidade de dar ao processo maior efetividade e presteza.

A dualidade do processo civil cognitivo e executório revelou ser um grande obstáculo à integral efetivação da tutela jurisdicional, expondo o jurisdicionado que bate às portas do Estado – Juiz a situação de difícil compreensão. Como explicar à parte que teve o seu direito reconhecido ser necessária a instauração de outro processo, desta feita satisfativo, para a realização do direito anteriormente reconhecido, impondo ao jurisdicionado todos os percalços inerentes ao curso de um processo, mormente no que tange ao tempo? Não existe fundamento lógico e jurídico para a manutenção, como salta aos olhos, do sistema autônomo dos processos.

Desta forma, a fusão em uma mesma estrutura processual dos atos cognitivos e executórios revela uma técnica processual capaz de combater o tempo inimigo, dotando o processo de maior efetividade. A sincretização do processo é uma tendência inafastável, sendo visíveis as vantagens da execução como mera etapa final do processo, sem a necessidade de um processo autônomo.

A substituição dos embargos por modalidade de defesa incidental sem efeito suspensivo geral demonstra, igualmente, a intenção do legislador de tornar possível a promessa constitucional de ser alcançada uma tutela jurisdicional tempestiva e racional.

Estou certo, destarte, ser o novo sistema processual executório instituído pela Lei nº 11.232/2005 um método instrumental mais célere, menos oneroso e mais eficiente, capaz de atender, pelo menos em parte, aos anseios da sociedade. Com isso, melhor se alcançará, sem dúvida, o ideal de eficiência do processo, pois como afirmou o eminente processualista Costa (1959, p. 102), "o que o autor mediante o processo pretende é que seja declarado titular de um direito subjetivo e, sendo caso, que este direito se realize pela execução forçada".


REFERÊNCIA

ASSIS, Araken de. Cumprimento da Sentença. Editora Forense, 1ª. Edição, 2006, Rio de Janeiro: p.40 e 212.

COSTA, Lopes da. Direito Processual Civil Brasileiro, Forense. 2ª edição, vol. 1, Rio de Janeiro: 1959, p. 102..

SANTOS, Ernane Fidélis. Reformas de 2005 do Código de Processo Civil. Editora Saraiva, 1ª edição, Rio de Janeiro: 2006, p.58.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. A Execução de Sentença e a Garantia do Devido Processo Legal. Ed. Aide, São Paulo: 1987, p. 239.

ZAMORA, Alcalá. Proceso, autocomposicióny autodefensa. UNAN, 2ª ed., n. 81, Rio de Janeiro: 1970, p. 149.

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença Civil : Liquidação e Cumprimento. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo: 2006, p. 41.

Da aplicação da teoria dinâmica da distribuição do ônus da prova como forma de obtenção de um processo justo e igualitário

1 INTRODUÇÃO

Como cediço, a disciplina a respeito da distribuição do ônus probatório se situa entre os problemas vitais do processo. Leo Rosemberg chegou a afirmar que o ônus da prova se constitui "na coluna vertebral do processo civil". [01]

O Código de Processo Civil brasileiro, nesse sentido, visando adotar critérios de distribuição do ônus da prova, filiou-se à denominada teoria estática da distribuição do ônus da prova, conforme se infere da dicção do artigo 333, incs. I e II. [02] Assim, cabe ao autor a prova dos fatos que constituem o direito por ele afirmado (quando a defesa de mérito for direta), enquanto ficou incumbido ao réu o ônus de demonstrar a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito aduzido pelo autor (quando a defesa de mérito foi indireta).

As partes, portanto, não têm o dever de produzir provas, mas o ônus de fazê-lo. Ônus são aquelas atividades, convém salientar, que a parte realiza no processo em seu próprio benefício. Desta forma, a lei não obriga as partes a fazer prova, mas, se elas o fizerem, obterão a vantagem de demonstrar suas alegações, e, se forem omissas, poderão sofrer as conseqüências. [03] Trata-se de ônus imperfeito, uma vez que a não observância do encargo de produzir provas não levará, como conseqüência automática, o insucesso na pretensão articulada pela parte omissa. Ainda haverá possibilidade de que a parte, ainda que não tenha se desincumbido da tarefa probatória, possa ter êxito na demanda proposta. [04] Prevalece em sede doutrinária, por outro lado, o entendimento de que a regra estática do ônus da prova é dirigida às partes, constituindo-se em distribuição de encargos. Estou certo, porém, que o ônus da prova deve ser observado sob dois prismas : objetivo e o subjetivo. Subjetivamente o ônus da prova deve ser considerado regra de distribuição de encargos probatórios entre as partes. Neste sentido, pontifica José Carlos Barbosa Moreira que as regras sobre o ônus da prova significam em verdadeira "distribuição de riscos entre os litigantes, quanto ao mau êxito da prova, constituindo sua aplicação, em certo sentido, como elemento de motivação, um sucedâneo da prova faltante". [05] Do ponto de vista objetivo o destinatário da regra seria o juiz, como fator de orientação para o seu julgamento, diante da impossibilidade de ser proferido um non liquet. Assim, a regra de distribuição do ônus probatório deve ser observada no seu aspecto subjetivo (destinada às partes) e objetivo (regra de julgamento – fator de orientação do juiz).

Observa-se, à primeira vista, que a teoria estática da distribuição do ônus da prova, como o próprio o nome está a indicar, é inflexível, sobressaindo da mesma regras rígidas e imutáveis a respeito da distribuição do ônus probatório. A teoria estática, ao que se vê, não leva em consideração as peculiaridades do direito material posto à apreciação do Estado-Juiz e, com maior clareza, não dá atenção às condições pessoais das partes, ou seja, à capacidade ou aptidão das partes na desincumbência do ônus probatório. Segundo a teoria estática, o Juiz deverá, em qualquer situação, orientar-se no seu julgamento por regras fixas, imutáveis e objetivas, aprioristicamente catalogadas, fato que, à toda evidência, poderá ser fonte de profunda injustiça, afastando a possibilidade de ser alcançada a isonomia no processo. Parte-se da falsa premissa de que as partes encontram-se em patamar de igualdade no processo e que regras previamente estipuladas teriam o condão de solucionar todas as questões submetidas ao crivo da atividade jurisdicional. Pura ilusão, como será visto mais adiante.

A finalidade do presente artigo é demonstrar que a teoria estática não é suficiente para orientar o juiz na busca da certeza possível. [06] Analisar a teoria dinâmica da distribuição do ônus probatório como uma contraposição possível à teoria estática, com todas as suas conseqüências possíveis, é uma necessidade no atual estágio da ciência processual, em que se busca a criação de um arquétipo processual capaz de garantir a efetividade e a isonomia entre os litigantes. Para ser atingido o objetivo colimado, contudo, entendo ser salutar uma breve digressão a respeito do poder geral probatório do juiz no atual modelo processual, como forma de mitigar o princípio dispositivo, demonstrando qual a relação que existe entre as regras de distribuição do ônus probatório e o poder de iniciativa probatória do juiz.


2 DO PODER GERAL PROBATÓRIO DO JUIZ

A possibilidade de o Juiz, na condução material do processo, determinar a produção de provas de ofício ainda vem gerando polêmicas, encontrando sérias resistências por parte de alguns juízes aferrados ao princípio dispositivo. Alguns juízes, ao que se vê da práxis forense, ao manifestarem preocupação com a necessidade de ser mantida a imparcialidade na presidência do processo, argumentam que perderiam a isenção se passassem a substituir a parte na iniciativa probatória. Esquecem que o "dogma da neutralidade do juiz se mostra cada vez mais obsoleto, ainda mais agora quando a igualdade é uma das bússolas do processo". [07]

Contudo, não vejo no ativismo probatório do juiz na condução do processo nenhuma parcialidade ou contrafação a princípios processuais. O processo civil moderno, como sabido, em boa hora, afastou-se da concepção privatística emanada do adversarial system do direito anglo-saxão, informada pelo fenômeno do neo-liberalismo processual. O princípio dispositivo é, em substância, a projeção no campo processual daquela autonomia privada das partes, nos limites assinalados pela lei, fazendo do juiz um mero espectador das atividades desenvolvidas pelas partes, mormente no campo probatório. É necessário acentuar o caráter social e humanístico que deve ser implantado no atual estágio do processo, vislumbrando o processo como instrumento de salvaguarda das garantias ou direitos constitucionais, dentre as principais a isonomia e a efetividade. O princípio dispositivo no âmbito das provas, impende salientar, remonta a uma época do processo guerreiro capaz de gerar direitos e não de tutelar direitos, em que o juiz era um mero mediador, assistindo o mais esperto ou velhaco, com melhores condições (financeiras ou técnicas), vencer o jogo. [08] Não pode ser olvidado que a necessidade da criação de um Estado verdadeiramente social não se coaduna com a posição passiva ou conformista (comodista) de alguns juízes, pautada por critérios essencialmente individualistas. É de se combater o juiz autômato ou robotizado, mero condutor formal do processo, que não mantém diálogo com as partes. É preciso entender que o diálogo do juiz com as partes no processo não afasta a sua imparcialidade. Ao revés, o diálogo é uma conseqüência da necessidade de o Juiz, também, observar o contraditório. Enfim, o juiz tem que ser imparcial, jamais dotado de neutralidade.

Luiz Guilherme Marinoni, ao acentuar o caráter publicístico do processo civil, externa judicioso magistério, a saber:

Impor ao juiz a condição de mero expectador da contenda judicial, atribuindo-se às partes o exclusivo ônus de produzir prova no processo, é, quando menos, grave petição de princípios. Ora, se o processo existe para o exercício da jurisdição, e se a jurisdição tem escopos que não se resumem apenas à solução do conflito das partes, deve-se conceder ao magistrado amplos poderes probatórios para que bem possa cumprir sua tarefa. Ademais, é bom lembrar que o juiz que se omite em decretar a produção de uma prova relevante para o processo estará sendo parcial ou mal cumprindo sua função. Já o juiz que determina a realização de prova de ofício, especialmente porque lhe deve importar apenas a descoberta da verdade, e não aquele que resulta vitorioso (o autor ou o réu), estará voltado apenas para a efetividade do processo. [09]

No mesmo diapasão, assevera Cândido Rangel Dinamarco, com peculiar clareza doutrinária, que "não há lugar na moderna cultura do processo civil de resultados, para o juiz-Pilatos que só observa e não interfere, nem para o juiz mudo, obstinadamente cuidadoso de não se desgastar e obcecado pelo temor de anunciar prejulgamentos. O juiz moderno tem o dever de participar da formação do material sobre o qual apoiará sua livre convicção". [10]

Por outro lado, o juiz quando da iniciativa probatória não tem condições de saber qual será o desfecho ou o resultado da prova a ser produzida. É necessário acentuar, ainda, que a aplicação indiscriminada do princípio dispositivo no campo probatório, como anteriormente afirmado, assenta-se na falsa premissa de que as partes são iguais.

A alegada inexistência de imparcialidade do juiz que determina a produção de provas de ofício soçobra, ao que se vê, diante dos argumentos em sentido contrário. Juiz parcial, como afirma Teresa Arruda Alvim Wambier será aquele que "assistisse inerte, como espectador de um duelo, ao massacre de uma das partes, ou seja, se deixasse de interferir para tornar iguais as partes que são desiguais". [11] Em arremate, cumpre salientar que a melhor maneira de que dispõe o juiz de preservar a sua imparcialidade será submetendo sua atividade na condução material do processo ao princípio do contraditório e à racionalidade de suas decisões, através da indispensável motivação. O contraditório, como sabido, é condição de validade de qualquer prova.

Mas qual a relação existente entre a iniciativa probatória do juiz e a distribuição do ônus da prova? Como já asseverado, a regra estática da distribuição do ônus da prova, no seu aspecto objetivo, é destinada ao juiz, como critério a orientá-lo no momento de proferir o ato sentencial. [12] Contudo, o juiz deverá valer-se de tais regras em última hipótese, somente após esgotadas todas as possibilidades de ainda serem produzidas provas no processo, diante da proibição do non liquet. Estou certo, destarte, que o juiz, quando em estado de perplexidade, em dúvida a respeito de qual solução tomar, em razão da precariedade do cenário probatório, deverá determinar de forma oficiosa, com maior razão, a produção de provas. Contudo, o que se tem visto na prática, com pesar, são juízes apegados à malfadada concepção privatístiva do processo, seja por comodidade ou não, aplicando, de forma indiscriminada, a regra de julgamento prevista no artigo 333 e incs. do Código de Processo Civil. É de se perguntar: o juiz assim agindo estará proporcionando às partes o melhor equacionamento ao tema litigioso? Não haverá grande possibilidade de o juiz, assim procedendo, criar direitos ao invés de tutelar direitos? Já que o acesso a uma ordem jurídica justa pressupõe a existência de um processo justo, não será mais consentâneo que o juiz busque a realidade dos fatos determinando a produção de provas do que julgar com suporte em meras regras de ficção? As respostas aos questionamentos supra revelam que as regras sobre o ônus da prova só devem ser utilizadas em situações de insuficiência de provas, em caráter de excepcionalidade, quando esgotados por parte do juiz toda a possibilidade de iniciativa probatória, para melhor esclarecimento dos fatos alegados pelas partes.

José Roberto dos Santos Bedaque arremata o posicionamento aqui defendido ao aduzir que:

Não há dúvida de que a atividade probatória do juiz pode diminuir os casos em que seja necessário recorrer às normas de distribuição dos riscos pela obscuridade dos fatos. Ou seja, se além das partes, também o juiz desenvolve esforços para a obtenção da prova, maior a possibilidade de esclarecimento dos fatos, o que diminui, na mesma proporção, a necessidade de se apelar para a distribuição dos encargos do art. 333. Na verdade, aumenta a probabilidade de um julgamento correto, conforme a vontade do legislador. As regras sobre o ônus da prova constituem a última saída para o juiz, que não pode deixar de decidir. São necessárias, mas devem ser tratadas como exceção, pois o que se pretende com a atividade jurisdicional é que os provimentos dela emanados retratem a realidade, não meras ficções. [13]


3 DA TEORIA DINÂMICA DA DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA.

Como já foi sobejamente observado, a teoria estática da distribuição do ônus da prova, adotada pelo artigo 333 do Código de Processo Civil, por assentar-se em regras objetivas e fixas, não é suficiente para auxiliar o juiz na formação de sua convicção, porquanto não leva em consideração as condições ou particularidades das partes na relação processual e o próprio direito material subjetivo que se busca tutelar através do processo. Em algumas situações concretas a teoria estática será capaz de propiciar julgamentos injustos, por estar albergada em critérios imutáveis e inflexíveis.

Em contraposição à teoria estática surge a teoria dinâmica da distribuição do ônus da prova. [14] A teoria dinâmica tem como fundamento a presença da probatio diabólica, ou seja, a prova impossível ou de difícil realização para uma das partes no processo. É possível que apenas uma das partes tenha a aptidão ou condições de produzir determinada prova, quando então a ela deverá ser direcionado o ônus probatório, como forma de garantir a isonomia substancial no processo.

A teoria dinâmica tem como vantagem a flexibilização do sistema, permitindo ao juiz que, diante da insuficiência da regra geral, possa modificar o ônus da prova, destinando-o à parte que tenha condições de produzi-la. O legislador, por mais que tente, jamais poderá prever todas as situações da vida real. Ao criar uma regra apriorística a respeito do ônus probatório o legislador não poderia atingir ou regulamentar todos os casos concretos que poderiam ser levados à apreciação do Estado-Juiz, fato impossível diante da multiplicidade dos conflitos intersubjetivos existentes, como decorrência das multifacetadas relações de direito material. Enfim, "o sistema deixa de ser pétreo, para se tornar dinâmico". [15]

Assim, segundo a teoria dinâmica da distribuição do ônus da prova será permitido ao juiz, face as peculiaridades de cada caso, atribuir o encargo à parte que tem melhores condições de produzi-la, fato que, salta aos olhos, terá o condão de assegurar a isonomia entre as partes e propiciar um julgamento justo.

Obtempera Alexandre Freitas Câmara, defendendo a aplicação da teoria dinâmica, que:

não se trata, porém, de fixar outra regra estática de distribuição do ônus da prova, mas de criar-se um sistema excepcional, que só pode funcionar onde a regra geral opera mal, já que foi elaborado para casos normais e correntes, o que não corresponde ao caso concreto. O que se busca é tão-somente, retirar de uma parte o ônus de produzir provas diabólicas. Só se justifica a invocação da teoria quando a parte a quem inicialmente cabia o encargo probatório não tiver como atendê-lo. [16]

A aplicação da teoria dinâmica, segundo o escólio de Fredie Didier Jr., importará no seguinte: 1) o encargo não deve ser repartido prévia e abstratamente, mas, sim, casuisticamente; 2) sua distribuição não pode ser estática e inflexível, mas, sim, dinâmica; 3) pouco importa, na sua subdivisão, a posição assumida pela parte na causa (se autor ou réu); 4) não é relevante a natureza do fato probando – se constitutivo, impeditivo ou extintivo do direito – mas, sim, quem tem mais possibilidades de prová-lo". [17]

Os opositores da aplicação da teoria dinâmica utilizam-se como argumento principal a de que ela não tem previsão legal, tendo sido adotada pelo legislador a regra estática prevista no artigo 333 e incs. do Estatuto Processual Civil. Realmente, não encontramos em sede do Código Instrumental Civil previsão para aplicação da teoria da distribuição dinâmica. [18]

Todavia, entendo ser totalmente despicienda a previsão legal para a aplicação da teoria da distribuição dinâmica em determinadas situações, posto que as regras que regulamentam a distribuição do ônus da prova estão relacionadas com a garantia do acesso à justiça. [19] É evidente que "se a distribuição do ônus da prova se der de uma forma que seja impossível que o interessado dele se desincumba, em última análise estará sendo-lhe negado acesso à tutela jurisdicional". [20] Não vejo, portanto, necessidade de integração legislativa para a aplicação, em determinadas situações, da teoria dinâmica, por ser a modificação do ônus, em casos tais, uma decorrência natural da Constituição (acesso à justiça). Se não bastasse, verifica-se cada vez mais uma forte tendência no sentido de que o princípio da legalidade seja entendido como necessidade de vinculação do juiz ao sistema, o que atingiria o texto da lei, doutrina e jurisprudência. [21]

Insta acentuar que a teoria dinâmica da distribuição do ônus da prova tem como supedâneo os princípios da isonomia (assegura a paridade de armas no processo, garantindo a igualdade substancial); da eticidade processual (a parte, qualquer que seja, não pode se omitir no que tange a determinadas provas, com o objetivo de prejudicar a parte adversa); do devido processo legal (devido processo será aquele capaz de gerar resultados justos); princípio da solidariedade (todos, inclusive as partes, têm o dever de colaborar com o Estado-Juiz na busca da verdade dos fatos aduzidos); princípio da adaptabilidade do procedimento (em algumas situações, para atender ao direito material, o procedimento deverá sofrer alterações em suas regras, o que irá repercutir no iter processual). [22]

Enfim, o princípio da distribuição dinâmica do ônus da prova apresenta-se como alternativa para afastar as injustiças geradas pela aplicação generalizada de uma regra estática e inflexível, que não leva em conta a situação da partes e a própria natureza do direito material que se pretende realizar através do processo. O juiz não pode estar descomprometido com o resultado do processo, agindo como um autômato. O processo não pode ser instrumento de iniqüidades ou injustiças, o que fatalmente ocorrerá se o julgador não se afastar da concepção privatística anteriormente mencionada e não se conscientizar de que as partes não são iguais e de que as desigualdades devem ser combatidas para que possa ser assegurado ao verdadeiro titular do direito a posição jurídica favorável por ele perseguida no processo. Cada vez mais deve o julgador comprometido com as suas atividades jurisdicionais estar ligado aos princípios que regem o processo civil cooperativo e igualitário. Sem nenhuma réstia de dúvida, a teoria dinâmica, se bem utilizada, irá proporcionar a tal aguardada isonomia processual, ou pelo menos mitigar as diferenças existentes entre as partes, tornando o processo verdadeiro instrumento de realização da justiça.


REFERÊNCIAS

Alexandre Freitas. "Doenças Preexistentes e Ônus da Prova: o Problema da Prova Diabólica e uma Possível Solução". Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, n. 31, p. 15, 2005.

Azevedo, Antonio Danilo Moura de. Jurídicas Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova no Direito Processual Brasileiro. in Seleções. COAD, p.13. maio de 2008.

Código de Processo Civil Interpretado. 3ª edição.São Paulo: editora Atlas, p. 385, 2008.

Curso de Direito Processual Civil. vol. 2. editora Podium. Salvador: p. 62, 2007.

Dall´Agnol Junior, Antonio Janyr. Distribuição dinâmica dos ônus probatórios. Revista Jurídica. Porto Alegre: Notadez/Fonte do Direito, n. 280, p. 11, fev. 2001.

Gonçalves, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. vol. I, São paulo: Editora Saraiva, p. 424, 2004.

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Julgamento e ônus da prova. Temas de direito Processual. São Paulo: Saraiva, p. 75 e 81, 1988.

Kfouri Neto, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. 4ª edição. São Paulo: RT, p. 137, 2002.

L. Rosemberg. Tratado de Derecho Procesal CivilI. vol. II, p. 228, 1955.

Manual do Processo de Conhecimento. 4ª edição. São Paulo: editora RT, p. 286, 2005.

No sentido do texto Piero Calamandrei. Direito Processual Civil. vol I, Campinas: Bookseller, p. 320, 1999.

O ônus da prova. Revista Jurídica Consulex. Brasília. editora Consulex, n 200, p. 40, maio de 2005.

Robson Renault Godinho. Leituras complementares de constitucional: direitos fundamentais. Marcelo Novelino Camargo (organizador). Salvador: Editora Jus Podium, p. 182, 2006.


Notas

  1. L. Rosemberg, Tratado de Derecho Procesal Civil, 1955, vol. II, p. 228.
  2. Dispõe o artigo 333 do CPC que o ônus da prova incumbe: " I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor".
  3. Neste sentido, dentre outros, encontra-se o magistério de Marcus Vinicius Rios Gonçalves – Novo Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, Editora Saraiva, p. 424, ano 2004, São Paulo.
  4. Estou partindo da premissa de que o processo civil de conhecimento é bifrontal alternativo. Quero dizer com isto que tanto o autor como o réu, no contexto da relação processual, deduzem pretensões. O autor deduz uma pretensão positiva e o réu outra de natureza negativa, qual seja, a de improcedência do pedido vazado na inicial. O caráter bifronte do processo de conhecimento explica a razão da necessidade da aquiescência do réu à extinção do processo de conhecimento como conseqüência da desistência manifestada pelo autor. Não esquecer que o processo de execução merece tratamento diferenciado, por aplicar-se ao mesmo o princípio do desfecho único, podendo o Exeqüente desistir da demanda executória com ou sem o consentimento do executado, o que acarretará, em qualquer circunstância, a extinção do processo satisfativo.
  5. Julgamento e ônus da prova, Temas de direito Processual. São Paulo, Saraiva, ano 1988, págs. 75 e 81.
  6. A certeza absoluta na formação da convicção do juiz é uma utopia, não obstante deva ele persegui-la com intensidade. O julgador não forma um juízo de certeza, escudado em uma verdade absoluta. Fosse assim, não poderia o juiz julgar em estado de dúvida ou perplexidade, sendo concedido a ele proferir o non liquet. Nada é mais subjetivo do que a afirmação do que seja verdade ou certeza, sendo dispensável, a meu sentir, a distinção que se faz entre verdade formal e real. Para o processo o que importa é a verdade encontrada, emergente do cenário probatório. A verdade será sempre verdade não importando o rótulo que lhe dê, sendo incoerente, a meu ver, qualquer tentativa de classificá-la. É bom lembrar, para desgosto de alguns, que o juiz não é um semi-deus, o que ocorreria caso fosse exigido dele um julgamento calcado na certeza absoluta.
  7. Antonio Danilo Moura de Azevedo - Teoria Dinâmica de Distribuição do Ônus da Prova no Direito Processual Brasileiro, in Seleções Jurídicas, maio de 2008, COAD, p. 13.
  8. No sentido do texto Piero Calamandrei - Direito Processual Civil, Vol I, Bookseller, Campinas, 1999, p. 320.
  9. Manual do Processo de Conhecimento, 4ª edição, editora RT, ano 2005, São Paulo, p. 286.
  10. Instituições de Direito Processual Civil, Vol II, ed. Malheiros, São Paulo, ano 2005, p. 234. É bom lembrar que produzir provas de ofício é, na maioria das situações, assegurar igualdade entre as partes (artigo 125, inc. I, do CPC).
  11. O ônus da prova. Revista Jurídica Consulex, Brasília, editora Consulex, n 200, p. 40, maio de 2005.
  12. Sobressai do sistema probatório a aplicação do princípio da comunhão das provas. Significa dizer que o juiz ao sentenciar, não existindo dúvidas em sua mente, não irá indagar quem terá produzido as provas levadas para os autos, sendo tal fato totalmente desinfluente para formação de sua convicção. O julgador só fará tal análise quando estiver em estado de dúvida (perplexidade) diante das provas existentes, quando então irá socorrer-se das regras de distribuição do ônus da prova.
  13. Código de Processo Civil Interpretado, 3ª edição, editora Atlas, ano 2008, São Paulo, p. 385.
  14. A teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova surgiu na Argentina, tendo como mentores os doutrinadores Jorge W. Peyrano e Augusto M. Morello, a partir da concepção do processo como situação jurídica. Trata-se de teoria amplamente aceita e aplicada na Espanha, mormente na área relacionada a responsabilidade profissional.
  15. Kfouri Neto, Miguel. Culpa médica e ônus da prova, 4ª edição, São Paulo, RT, 2002, p. 137.
  16. CÂMARA, Alexandre Freitas. "Doenças Preexistentes e Ônus da Prova: o Problema da Prova Diabólica e uma Possível Solução", Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, 2005, n. 31, p. 15.
  17. Curso de Direito Processual Civil, vol. 2, editora Podium, ano 2007, Salvador, p. 62. No mesmo sentido encontra-se o magistério de Dall´Agnol Junior, Antonio Janyr, em Distribuição dinâmica dos ônus probatórios. Revista Jurídica, Porto Alegre: Notadez/Fonte do Direito, n. 280, p. 11, fev. 2001.
  18. Verifica-se do artigo 6º, inc. VIII, do CDC, a opção do legislador, na demandas envolvendo relação de consumo, pela possibilidade de ocorrer a modificação do ônus da prova, com a aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. No anteprojeto de Código Brasileiro de Processo Civil Coletivo encontra-se previsto a possibilidade de aplicação da teoria dinâmica. Da mesma forma, observa-se na Justiça do Trabalho, com extraordinários resultados, a aplicação da referida teoria, com o nome de teoria da aptidão.
  19. O acesso à justiça (sistema da proteção judiciária) não pode ser meramente formal, como conseqüência do mero exercício do direito de ação. O acesso à jurisdição pressupõe um processo justo, no qual as partes possam ter acesso às provas para a demonstração de suas alegações, fato que lhes seria negado caso fosse aplicada, de forma genérica, a teoria estática. Por outro lado, não pode ser negado que a transferência do encargo probatório para a parte que possui condições de produzir a prova vem ao encontro da isonomia processual.
  20. Robson Renault Godinho. Leituras complementares de constitucional: direitos fundamentais. Marcelo Novelino Camargo (organizador), Salvador. Editora Jus Podium, 2006, p. 182.
  21. Entender nos dias atuais o princípio da legalidade como sendo a vinculação direta e automática, com exclusividade, ao texto da lei, é um manifesto contra-senso. Existem juízes, conheço alguns, que se gabam de serem legalistas ou positivistas, olvidando que a soberania da lei deve ser a forma encontrada para evitar abusos do poder. A crença na onipotência da lei sempre esteve a serviço de uma classe emergente ou dominante, como forma de garantir uma sensação de segurança que não se coaduna com a insegurança gerada pelas arbitrariedades perpetradas pela classe anteriormente dominante. Dessarte, melhor entender que o Juiz deve estar atrelado ao sistema (lei, doutrina e jurisprudência), como melhor forma de se proceder à leitura do princípio da legalidade.
  22. No sentido do texto o magistério de Fredie Didier Jr. Ob. cit, p. 63.

Dos embargos do executado à luz da Lei nº 11.382/2006


1 INTRODUÇÃO
Como cediço, o Código de Processo Civil vem passando, nos últimos anos, por intensas modificações na sua estrutura, com a finalidade de tornar o processo verdadeiro instrumento capaz de atender aos desígnios do direito material, de forma eficaz, célere e, principalmente, com a efetividade indispensável.
Neste aspecto, tivemos com a Lei nº 11.232/2005 a quebra da dicotomia ou dualidade até então existente entre os processos de execução e de cognição, com a criação da denominada fase de cumprimento de sentença, passando a execução de sentença condenatória a ser realizada no próprio processo em que proferida, tornando-se desnecessária a existência de processo executório ex intervallo. Assim, como pode ser vislumbrado da dicção do artigo 475-I e segs do Código de Processo Civil, a execução de sentença terá lugar no processo em que formatado o título (sentença), de forma incidental, como mera fase complementar processual . O legislador, assim, deu ênfase ao processo sincrético, reconhecendo, em boa hora, a unicidade da jurisdição.
A Lei nº 11.382/2006, por sua vez, ainda no período da vacatio legis (entrará em vigor a partir do dia 20 de janeiro de 2007), veio modificar a sistemática do processo de execução, o qual ficou reservado, a rigor, à execução lastreada em títulos executivos extrajudiciais. Vários artigos foram ab-rogados e alguns tiveram mudanças de redação, com o manifesto desiderato de tornar o processo de execução, mormente a variante procedimental prevista para a executória por quantia certa contra devedor solvente, um instrumento mais eficiente, com a aptidão de tornar em realidade a promessa constitucional de obtenção de uma tutela jurisdicional lógica, razoável e tempestiva.
O presente artigo tem como finalidade, sem a pretensão de exaurir o tema, abordando alguns aspectos da reforma introduzida pela Lei nº 11.382/2006 considerados relevantes, analisar as alterações que atingiram os embargos. O procedimento dos embargos, como será visto mais adiante, passou por profundas e importantes modificações, com o escopo de impedir que sirva de empeço ao desenvolvimento regular da relação processual juris-satisfativa , dentre outros objetivos.
2 DA NATUREZA JURÍDICA DOS EMBARGOS
Os embargos possuem natureza de ação, fazendo surgir o seu exercício um processo incidente de conhecimento, não discrepando a doutrina a este respeito. Dessarte, os embargos se constituem em ação incidental cognitiva, constitutiva negativa (visa desconstituir o título), de oposição ao processo de execução ou à pretensão executória articulada. Neste sentido, assevera Alexandre Freitas Câmara (2005, p. 399), com acerto, que “os embargos do executado são, pois, processo autônomo, incidente à execução, de natureza cognitiva, dentro do qual se poderá apreciar a pretensão manifestada pelo exeqüente, para o fim de verificar se a mesma é procedente ou improcedente”. Humberto Theodoro Jr (2004, p. 426), por sua vez, assinala não serem os embargos:
Uma simples
resistência passiva como é a contestação no processo de conhecimento. Só aparentemente podem ser tidos como resposta do devedor ao pedido do credor. Na verdade, o embargante toma posição ativa ou de ataque, exercitando contra o credor o direito de ação à procura de uma sentença que possa extinguir o processo ou desconstituir a eficácia do título executivo.
Como o ajuizamento da ação cognitiva incidental de embargos forma-se uma nova relação jurídica processual, na qual haverá necessidade de acertamento a respeito de um direito controvertido, surgindo, assim, verdadeira lide caracterizada por uma pretensão resistida. É importante ressaltar que os embargos mantém com a execução uma relação de causalidade, porquanto o desfecho dado aos mesmos irá ter influência direta no êxito da execucional.
Os embargos, com efeito, constituem-se em ação através da qual o devedor ou qualquer outro legitimado poderá questionar o crédito afirmado pelo Exeqüente (embargos de mérito) ou opor-se ao próprio processo de execução, buscando a sua extinção (embargos processuais ou de forma), pelo fato de verificar-se na relação processual executória apenas o contraditório formal, já que o Executado não é citado para defender-se e sim para a adimplir a obrigação. Não estou afirmando, é bom que fique claro, que o processo de execução não sofra incidência do princípio do contraditório. No processo de execução, como em qualquer outra modalidade processual, aplica-se o princípio constitucional do contraditório, o qual é revelado no processo pelo trinômio informação, reação possível e participação obrigatória. Não pode ser olvidado, portanto, de que no processo de execução, em várias oportunidades, deverá ser estabelecido o contraditório (que denomino de formal).
3 DO PROCESSAMENTO DOS EMBARGOS
3.1 Da segurança do juízo
No sistema anterior a segurança do juízo, que ocorria pela penhora na execução por quantia certa ou pelo depósito na execução para entrega de coisa, era indispensável para a admissibilidade da procedimentalização dos embargos. Na execução por quantia certa contra devedor solvente, assim, a penhora erigia-se como condição especial de procedibilidade dos embargos, o que normalmente gerava um grande número de processos suspensos por ausência de bens, ficando o executado, de certa forma, cerceado no seu direito de defender-se de uma execução injusta, apesar da possibilidade de o mesmo, em algumas situações restritas, articular exceção ou objeção de não executividade, ainda que sem a segurança do juízo.
A Lei nº 11.382/2006, ao que se vê, tentando propiciar ao executado uma ampla defesa na execução, via do aforamento da ação de embargos, modificou a redação do artigo 736 do Código de Processo Civil ao prever que “o executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à execução por meio de embargos”.
A segurança do juízo, pelo que deflui do referido dispositivo, deixou de ser condição de procedibilidade dos embargos, podendo o executado, no prazo legal, ajuizar ação de embargos, visando a desconstituição do título ou apenas perseguindo a extinção do processo de execução, independentemente da perfectibilização da penhora nos autos da execução ou da prestação de outra garantia. Contudo, impende salientar, que a aludida mudança não terá o condão de afastar a possibilidade da existência de execuções frustradas por ausência de bens do executado, uma vez que, como sabido, a responsabilidade do devedor será, na execução por quantia certa, sempre patrimonial .
Doravante, como ressumbra do parágrafo único do artigo 736 do CPC, os embargos serão autuados em apartado e instruídos com cópias das peças processuais que o embargante entenda sejam relevantes. O legislador colocou fim à autuação em apenso pelo fato de os embargos não mais possuírem efeito suspensivo automático, como será examinado mais adiante . Os embargos continuarão sendo distribuídos por dependência ao Juízo da execução, diante da conexão por prejudicialidade que mantém com o processo de execução, devendo o juiz ao receber os embargos determinar, por razões de cautela, inobstante ausente de previsão legal, seja certificado nos autos da execução a sua existência , ainda que, via de regra, os embargos não mais sejam dotados de efeito suspensivo open legis .
Modificação a meu ver importante diz respeito à autorização legal para que o(s) advogado(s) do embargante possa reconhecer como autênticos os documentos que acompanham a peça matriz dos embargos, como sói ocorrer com os documentos que instruem o recurso de agravo de instrumento interposto contra decisão que tenha negado trânsito a recurso especial ou extraordinário, conforme permissão emanada do artigo 544, § 1º, in fine, do Código Instrumental Civil.
3.2 Do prazo para embargar
O prazo para embargar passou de dez (10) para quinze (15) dias, como preconiza o artigo 738 do Estatuto Processual Civil, a saber: “os embargos serão oferecidos no prazo de 15 (quinze) dias, contados da juntada aos autos do mandado de citação”.
Na realidade, o legislador unificou os prazos, uma vez que para a apresentação da impugnação na fase de cumprimento de sentença o prazo também é de quinze (15) dias. O prazo para a articulação dos embargos começará a fluir a partir da data da juntada aos autos do mandado de citação, diante da irrelevância da existência de penhora para que ocorra o seu processamento. Foi adotada regra preconizada pelo inciso II, do artigo 241 do Código de Processo Civil .
Como já vinha entendendo de forma pacífica a jurisprudência e a doutrina, o novo § 3º deixou claro não se aplicar aos embargos o disposto no artigo 191 do CPC. Assim, não há que se falar em prazo em dobro para embargar, ainda que os Executados/litisconsortes tenham procuradores diversos ou diferentes. O prazo, na hipótese, será sempre simples .
O prazo para embargar continua sendo autônomo ou individual, mesmo diante da existência de vários executados (litisconsórcio/relação processual juris-satisfativa plúrima), como se observa da redação do § 1º do art. 738 do CPC. Portanto, o prazo para o ofertamento dos embargos, para cada um dos executados, terá início a partir da juntada aos autos do mandado de citação de cada um deles, não sendo aplicada a regra de que o prazo terá curso a partir da juntada aos autos do último mandado de citação devidamente cumprido. À medida que os mandados de citações forem sendo juntados ao bojo dos autos começará a ter curso em relação ao executado processualmente convocado à integrar o processo o prazo quinzenal para embargar, independentemente da consumação da citação dos demais litisconsortes. O referido § fez, contudo, uma ressalva, deixando claro que se os litisconsortes forem casados (foi utilizada a expressão cônjuges) o prazo terá como termo a quo a data da juntada aos autos do último mandado de citação, transformando-se em comum, nesta situação, o prazo para embargar.
Desta forma, se os executados forem casados o prazo para embargar terá início a partir do momento que o último mandado de citação for levado para o seio do caderno processual, com a finalidade de propiciar aos cônjuges a oposição conjunta dos embargos, mormente pelo fato de que as matérias ou temas que podem ser alegadas pelos mesmos em sítio de embargos normalmente são comuns, aproveitando ao casal. Evita-se, desta forma, o aforamento de mais de uma ação de embargos, o que vem ao encontro, à toda evidência, do princípio da
economia processual. De outra banda, o § 2º do artigo 738 do CPC colocou fim a antigo debate em torno do momento inicial de fluência do prazo para embargar quando a execução estiver sendo processada por carta. É que nas execuções por carta o Juízo Deprecante deverá ser imediatamente comunicado pelo Juízo Deprecado a respeito da conclusão do ato citatório, passando o prazo para o oferecimento dos embargos a ser contado a partir da juntada aos autos da execução da aludida comunicação. Ao que se vê, o prazo para embargar na execução por carta precatória começará a ser contado a partir da juntada ao álbum processual executório da comunicação da citação do executado, colocando fim à polêmica até então existente a respeito do termo inicial de contagem do prazo.
3.3 Da suspensividade open judicis
Extrai-se da dicção do artigo 739-A que “os embargos do executado não terão efeito suspensivo”.
No sistema anterior à Lei nº 11.382/2006, os embargos possuíam efeito suspensivo automático, por força de previsão legal. Assim, a regra geral era de que uma vez opostos os embargos do executado o processo de execução restaria suspenso, o que, em alguns momentos, tornava a ação de embargos em expediente processual meramente protelatório, servindo de empeço ao desenvolvimento do processo de execução. Agora os embargos não mais terão efeito suspensivo open legis, tornando-se regra a não suspensão do processo de execução. A intenção do legislador foi a de otimizar a relação processual executória e ensejar, sem maiores delongas, a realização dos atos reais voltados à efetiva e célere satisfação do direito material . Apenas para relembrar, releva assinalar que a impugnação apresentada na fase de execução forçada incidental (cumprimento de sentença) também não possui efeito suspensivo, como se infere do que preceitua o artigo 475-A do Código de Processo Civil.
Porém, ainda existe a possibilidade de ser atribuído ou concedido efeito suspensivo aos embargos, com a paralisação temporária do processo de execução, como emerge da redação do § 1º do artigo 739-M do CPC. Dessarte, o juiz poderá atribuir efeito suspensivo aos embargos apresentados quando forem relevantes os seus fundamentos, somado à possibilidade de o prosseguimento do processo de execução vir a causar grave dano de difícil ou incerta reparação ao executado. Além dos requisitos supra, o legislador elencou a segurança do juízo como condição essencial para que o juiz possa atribuir aos embargos a aptidão de suspender o feito executório. Assim, pode ser afirmado que o juiz deverá (presentes os requisitos o juiz não terá discricionariedade ou faculdade de imprimir efeito suspensivo aos embargos) dar efeito suspensivo aos embargos quando presentes o fumus boni juris e o periculum in mora. Estou certo, ainda , de que o juiz não pode atribuir efeito suspensivo aos embargos de ofício, porquanto o dispositivo ora analisado exige, de forma peremptória, requerimento do embargante . Para a suspensão do processo de execução, em decorrência do aforamento dos embargos, o fumus boni juris o periculum in mora deverão ser observados sob o prisma do executado. Neste sentido, com razão Glauco Ramos (2006, p. 251), quando pontifica que “o efeito suspensivo, no caso, é uma projeção do poder geral de cautela que o sistema confere ao juiz, e que não mais é, pelas técnicas de concessão das tutelas de urgência prevista no CPC, uma medida típica do processo cautelar, sendo verdadeira categoria metacautelar”.
Assim, para que seja dado efeito suspensivo aos embargos do executado, em caráter de excepcionalidade, devem estar presentes : os requisitos necessários para a concessão de medida de urgência de natureza cautelar (fumus boni juris e o periculum in mora); segurança do juízo (penhora, depósito ou caução suficiente) e requerimento do embargante/executado.
Interessante é que os embargos com efeito suspensivo não serão obstáculo à efetivação da penhora e avaliação dos bens (§ 6º). Isto significa que durante o curso dos embargos recebidos com efeito suspensivo poderá a execução ter curso para a realização da penhora e avaliação dos bens constritados. Tratam-se de atos processuais que poderão ser praticados durante o período de suspensão do processo de execução, no curso do processamento dos embargos, mesmo porque a ultimação de tais atos não terá a mínima possibilidade de gerar ou provocar, na prática, qualquer dano ao executado-embargante.
Por revestir-se a decisão deferitória ou não de efeito suspensivo aos embargos da cláusula rebus sic stantibus, o legislador previu, à testa do que dispõe o § 2º do artigo 739-A do CPC, a possibilidade de que o juiz, a requerimento da parte, possa modificar ou revogar a decisão relativa aos efeitos dos embargos, uma vez desaparecidas as causas que a motivaram. É que as situações fáticas que justificaram o acolhimento ou não do requerimento de efeito suspensivo aos embargos poderão passar por alterações, por mudanças supervenientes. É possível que num primeiro momento, ao admitir o processamento dos embargos, não estejam presentes os requisitos autorizadores da concessão de suspensividade aos embargos, o que não terá o condão de impedir que em fase processual mais adiantada os mencionados requisitos se façam presentes, justificando a atribuição do efeito suspensivo. A recíproca também é verdadeira, podendo o juiz revogar, por modificação superveniente da situação fática, a decisão que havia atribuído efeito suspensivo aos embargos. Imagine a seguinte situação : ao apresentar embargos não havia sido formalizada a penhora, tendo o juiz, como decorrência, deixado de atribuir efeito suspensivo aos referidos embargos por ausência da aludido requisito (penhora), apesar de estarem presentes os demais requisitos. No curso do processo incidente de embargos ocorre a penhora. Será possível ser acolhido nesta fase do processo requerimento do embargante no sentido de ser concedido efeito suspensivo aos embargos ? A resposta só pode ser afirmativa, em razão da modificação da situação de fato com o surgimento da penhora. Neste caso, deverá o juiz conceder o efeito suspensivo que anteriormente havia sido indeferido, modificando sua decisão anterior.
3.4 Dos embargos parciais
No § 3º do artigo 739-A do Código de Processo Civil encontra-se o regramento dado aos denominados embargos parciais. Os embargos do executado serão considerados parciais quando os mesmos tiverem relação com apenas parcela do objeto da execução, dizendo respeito, desta forma, à parte incontroversa do direito. Ribas Malachini (2004, p. 528), com acerto, aduz que:
Os embargos parciais seriam aqueles em que o embargante não impugna toda a pretensão do exeqüente embargado.Um exemplo que acode imediatamente é o de alegação de ter havido pagamento parcial da dívida, ou de impugnação apenas dos juros, reconhecendo-se o débito quanto ao principal.
Quando os embargos forem objetivamente parciais o juiz, sendo o caso de dar suspensividade à execução, deverá precisar qual a extensão da suspensão por ele conferida aos embargos, de modo a autorizar que a execução tenha curso regular no que tange à parte restante ou considerada incontroversa, sobre a qual não ocorrer qualquer questionamento em sede dos embargos.
3.5 Dos embargos subjetivamente restritos
Os embargos subjetivamente restritos encontram-se disciplinados pelo § 4º do artigo 739-A do Código de Processo Civil. A não integralidade ou totalidade dos embargos no caso em testilha não decorre do objeto, mas de haver um, mais de um, ou menos do que todos os executados no pólo ativo dos embargos. Assim, quando existir litisconsórcio passivo na execução e apenas um dos executados, ou alguns deles, ajuizar ação incidental de embargos, o juiz, ao conferir efeito suspensivo aos mesmos ( se for o caso ), deverá observar se a suspensão da execução será total ou parcial, dependendo das matérias que tiverem sido alegadas em teto dos embargos articulados. Nesta hipótese, o juiz não deverá suspender o processo de execução no que diz respeito a todos os executados quando o(s) fundamento(s) dos embargos disser respeito ou for capaz de atingir, para beneficiar, apenas e de forma exclusiva o embargante.
Como exemplo posso citar os embargos articulados pelo fiador, parte no processo de execução, que alega a nulidade da fiança. É de uma clareza solar que tal alegação (nulidade da fiança) em nada atinge a obrigação do devedor principal, ou dos demais devedores (afiançados). No exemplo dado, caso o juiz entenda de conferir efeito suspensivo aos embargos, não deverá ser estendida a suspensão do processo de execução ao ponto de atingir os demais executados que não embargaram, por ser a nulidade da fiança fundamento que só poderá atingir o embargante. A execução, no exemplo trazido à colação, deverá ter curso em relação aos executados que não embargaram.
3.6 Do contraditório nos embargos
Preceitua o artigo 740 do Estatuto Processual Civil que “recebidos os embargos, será o exeqüente ouvido no prazo de 15 (quinze) dias; a seguir, o juiz julgará imediatamente o pedido (artigo 330) ou designará audiência de conciliação, instrução e julgamento, proferindo sentença no prazo de 10 (dez) dias”.
O prazo para responder os embargos que era de 10 (dez) passou para 15 (quinze) dias, fazendo o dispositivo supra menção à oitiva do embargado. Resta claro que o embargado deverá ser intimado, como sempre ocorreu, na pessoa de seu advogado e que esta intimação sempre foi equivalente a verdadeira citação, ato de convocação processual através do qual é oportunizado ao embargado integrar o processo de conhecimento gerado pela oposição dos embargos. A procedimentalização dos embargos, pelo que se verifica, não passou por grandes transformações, ficando evidente, como não poderia deixar de ser, a possibilidade de ocorrer o
julgamento imediato do mérito, quando a causa estiver suficientemente madura, com a dispensa de dilação probatória.
Tema assaz controvertido diz respeito à ocorrência de revelia por ausência de resposta ou impugnação do embargado na ação de embargos do executado. Parte significativa da doutrina vem pugnando pela inocorrência da revelia nos embargos por falta de resposta do embargado, por estar a execução amparada em título executivo que consubstanciaria o direito afirmado pelo exeqüente. Segundo essa corrente doutrinária, o exeqüente nada tem a provar, recaindo todo o ônus probatório sobre o embargante, o qual, ainda que não tenha o embargado respondido aos embargos, deverá produzir provas de suas alegações. Neste diapasão, encontra-se o magistério de Ernane Fidélis dos Santos (2006, p. 56), o qual assevera que
Optou a lei pela expressão impugnação e não contestação, exatamente para afastar qualquer efeito da revelia (arts. 319 e 322), já que, mesmo sem defesa apresentada, a posição do exeqüente revela intenção de não terem por verdadeiros fatos alegados pelo devedor embargante. Não há efeitos de revelia nos embargos do devedor.
Araken de Assis (2002, p. 1274), por sua vez, pugna pela incidência dos efeitos (processuais e materiais) da revelia em sítio de ação de embargos, ao obtemperar o eminente processualista que:
Seja como for, os embargos suscitam o problema da existência de revelia e dos seus efeitos. Natural se afigura que, inexistindo impugnação aos embargos, o embargado seja considerado revel. E isso, porque a revelia se caracteriza pelo estado objetivo da falta de resposta. A terminologia empregada pelo art. 740, caput, em nada interfere com o fato de o embargado permanecer inerte perante a demanda. A ênfase da controvérsia recai, ao revés, nos efeitos que derivam desse.
Inobstante
valiosas opiniões no sentido de ocorrer a revelia, com todas as suas conseqüência, nos embargos do executado, comungo de entendimento diverso. É que, como consabido, a execução encontra-se alicerçada em título do qual emana uma presunção a respeito da existência do direito afirmado pelo exeqüente (presunção recaindo sobre o referido direito - juris tantum).
É bom recordar que a presunção também pode incidir sobre direitos e não apenas sobre questões de fato. Ora, a presunção a que aludo faz com que ocorra a inversão do ônus probatório, na hipótese de ajuizamento dos embargos, não tendo o exeqüente-embargado ônus de provar a existência de seu direito. Ao revés, o ônus da prova recai todo sobre o embargante-executado. Não pode ser desconhecida a relação de prejudicialidade dos embargos com o processo de execução. Uma vez reconhecido o efeito primário da revelia (artigo 319 do CPC) nos embargos o direito alegado pelo exeqüente seria infirmado, como conseqüência de mera regra processual de ficção. Aliás, ao propor a ação de execução o exeqüente já demonstrou, de forma insofismável, interesse em receber o seu crédito, sobre o qual paira, insisto em repetir, uma presunção relativa de existência, ou como querem alguns uma certeza relativa. Por tais argumentos, inadmito a possibilidade de ocorrer no âmbito dos embargos o principal efeito da revelia, que denomino de primário, previsto no caput do artigo 319 do CPC. Contudo, não vejo nenhum óbice de que nos embargos, por força da ausência da impugnação ou resposta, tenha incidência a norma insculpida no artigo 322 do Código de Processo Civil, circunstância que não afasta a presunção de existência do direito que sobrepaira sobre o título que dá
suporte à pretensão executória deduzida.
3.7 Das matérias que podem ser veiculadas nos embargos
No artigo 745 e respectivos incisos do Código de Processo Civil, o legislador enumerou algumas das matérias que podem ser objeto de alegação nos embargos. Trata-se de dispositivo numerus apertus ou aberto, posto que nos embargos (exceto nos embargos na execução contra a fazenda quando o título for uma sentença, ex vi do artigo 741 do CPC) o executado poderá aduzir qualquer matéria que poderia articular como defesa em processo de conhecimento. A cognição nos embargos do executado é, desta forma, ilimitada ou plenária no plano horizontal, por ser possível ao embargante suscitar qualquer matéria. É normal que tal ocorra, uma vez que o título executivo extrajudicial não possui a segurança ou certeza projetada por um título executivo judicial. Não é por outra razão que na impugnação, na fase de cumprimento de sentença, só poderão ser alegadas as matérias relacionadas no artigo 475-L do CPC .
4 CONCLUSÃO
A Lei nº 11.382/2006, ao que se vê, trouxe importantes inovações no sistema da execução por quantia certa contra devedor solvente, modificando sobremaneira os embargos do executado, com a finalidade de otimizar o processo de execução, tornando-o um instrumento capaz de conceder ao exeqüente/jurisdicionado, de forma célere e racional, tudo o que ele tem direito, ou seja, a satisfação plena de seu crédito.
Em breves linhas, sem a intenção de exaurir o tema, apenas com o objetivo de lançar algumas reflexões, foram abordadas algumas das mudanças que atingiram os embargos, as quais reputo de maior magnitude. Dentre elas, como foi visto, pode ser mencionada a ausência da suspensão automática do processo de execução como conseqüência da oposição dos embargos, com a possibilidade de que o juiz, presentes os requisitos legais, possa conferir aos embargos, em caráter de excepcionalidade, efeito suspensivo. A suspensão passou de legal para judicial. A penhora deixou de ser condição especial de procedibilidade, ou como afirmam alguns pressuposto de admissibilidade dos embargos, podendo a constrição, contudo, ser perseguida durante todo o iter processual, ainda que os embargos tenham sido recebidos com efeito suspensivo.
Enfim, mais uma vez o legislador demonstra o seu afã de alcançar um modelo ideal de processo. Tomara que na práxis forense as mudanças apresentadas pela Lei nº 11.382/2006 sejam capazes de propiciar seja alcançada uma tutela jurisdicional com maior presteza e fazer com que processo se aproxime cada vez mais do ideal do justo.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. 8ª edição. Editora RT. São Paulo: 2002, p.1274
CÂMARA, Alexandre Freitas.- Lições de Direito Processual Civil. vol. II. Editora Lumen Juris. Rio de Janeiro: 2005, p. 399
MALACHINI, Edson Ribas. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. 10. Editora RT. São Paulo: 2004, p. 528
RAMOS, Glauco Gumerato. Reforma do CPC. 1ª edição. Editora Revista dos Tribunais São Paulo: 2006, p. 251
SANTOS, Ernane Fidélis. Manual de Direito Processual Civil. 10ª edição. Editora Saraiva. São Paulo, 10ª edição, vol. 2, ano 2006, p.56
THEODORO JR, Humberto. Processo de Execução. 22ª edição. Editora LEUD. São Paulo: 2004, p. 426
Comentário : artigo publicado no site "boletim jurídico" de minha autoria.