3 de jun. de 2010

Do parcelamento judicial do débito instituído pelo novo art. 745-A do Código de Processo Civil (Lei nº 11.382/2006)

1 INTRODUÇÃO

A recente Lei nº 11.382/2006, dando continuidade à reforma do sistema processual executório iniciada pela Lei nº 11.232/2005, modificou sobremaneira a estrutura da execução lastreada em título extrajudicial, visando atender aos reclamos da sociedade no sentido de ser elaborado um modelo de processo de execução que venha atender, de forma tempestiva e efetiva, o direito do credor consubstanciado no título executivo, sobre o qual paira, convém assinalar, uma presunção de existência.

O processo de execução, como cediço, sempre se constituiu no ponto de estrangulamento da prestação jurisdicional, tendo demonstrado, durante todos estes anos, ser incapaz de pôr fim à crise jurídica envolvendo o inadimplemento. Até mesmo a doutrina, convém assinalar, sempre demonstrou mais interesse científico no estudo do processo de conhecimento, olvidando que o litígio não pode ser analisado de forma isolada ou estanque, devendo o conflito ser entendido de forma unitária, de modo que a prestação jurisdicional seja aperfeiçoada de forma integral. Quero dizer com isto que a lide só poderá ser considerada totalmente afastada com a plena satisfação do direito, após encerrado o conflito relacionado com a pretensão insatisfeita, objeto do processo de execução. Não foi por outra razão que o legislador, em boa hora, colocou fim à dualidade até então existente entre os processos de conhecimento e execução e buscou, através da recente Lei nº 11.382/06, dotar o processo de execução, a rigor necessário quando o título for extrajudicial, de mecanismos e novos institutos capazes de torná-lo um instrumento ágil, apto a colocar termo ao conflito revelado pela pretensão insatisfeita.

Neste diapasão, foi criado o instituto que denomino de parcelamento judicial do crédito exeqüendo, com previsão no artigo 745-A do Código de Processo Civil, com a manifesta finalidade de atender ao princípio da utilidade da execução e, ao mesmo tempo, garantir ao executado a possibilidade de que, verificados alguns pressupostos, tenha a execução curso pelo meio ou forma menos gravosa possível (artigo 620 do CPC). Trata-se de instituto até então sem similar no Código de Processo Civil. Tem por escopo o artigo em apreço, como será visto adiante, apreciar os aspectos mais importantes do novo instituto, buscando indicar a forma mais precisa de sua utilização.


2 NATUREZA JURÍDICA

Dispõe o artigo 745-A do Código de Processo Civil que:

No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exeqüente e comprovado o depósito de 30% (trinta por cento) do valor em execução, inclusiva custas e honorários de advogado, poderá o executado requerer seja admitido a pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e juros de 1% (um por cento) ao mês.

Ao que se vê, o novo artigo criou uma modalidade de parcelamento judicial do débito, propiciando ao executado a possibilidade de obter a extinção da relação obrigacional com o parcelamento do débito em parcelas, fato até então sem previsão legal e que era possível apenas através de convenção levada a efeito pelas partes no processo. O instituto em comento, apesar de previsto no Código de Processo Civil, possui nítido caráter de direito material, posto que forma excepcional de extinção da obrigação. Por tal razão é que afirmo possuir o instituto em foco natureza heterogênea.

Na verdade, o novo artigo 745-A criou uma modalidade de incidente da execução do título extrajudicial por quantia certa, com a finalidade de garantir ao executado o parcelamento do débito. Não se trata o novo instituto, a meu sentir, de moratória legal, uma vez que a moratória pressupõe apenas o alargamento do prazo para o pagamento, sem que o débito seja amortizado com o parcelamento da obrigação. J. E. Carreira Alvim (2007, p. 220) assevera tratar o artigo 745-A do Código de Processo Civil "de uma espécie de injunção (monitória), reconhecida ao executado, em proveito do exeqüente, quando reconhecer o crédito constante do título executivo objeto da execução".


3 REQUISITOS PARA A OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO

Os requisitos necessários para a obtenção do parcelamento judicial encontram-se insculpidos no caput do artigo 745-A do CPC. São os seguintes: a) aspecto temporal. O pedido de parcelamento, com o surgimento do incidente processual a ele relacionado, deverá ser articulado no prazo para o ajuizamento dos embargos, sob pena de consumação da preclusão. O prazo para embargar, como sabido, passou de dez (10) para quinze (15) dias contados da citação, nos termos da regra inserta no artigo 738 do Código de Processo Civil. Resta evidente que o parcelamento, uma vez exaurido o prazo, poderá ser objeto de negócio jurídico processual (acordo) envolvendo as partes (convenção suspensiva dilatória); b) requerimento expresso do executado. O juiz não poderá determinar de ofício o parcelamento, tendo incidência, na espécie, o princípio dispositivo ou da demanda; c) o executado deverá reconhecer o crédito do exeqüente, fato que, a toda evidência, trará como conseqüência a renúncia do direito aos embargos à execução. Aliás, mesmo que o artigo fosse omisso a respeito, o efeito prático e natural do pedido de parcelamento seria o reconhecimento do crédito, com todas as suas conseqüências; d) depósito de 30% (trinta por cento) do valor em execução, com a inclusão das custas e verba honorária. Importante ressaltar que o depósito deverá ser prévio, realizado antes mesmo do requerimento de parcelamento; e) pagamento do objeto da execução de forma parcelada, não podendo as parcelas ultrapassar a seis, as quais serão acrescidas de correção e juros de 1% ao mês. O máximo das parcelas será seis, o que não impede que o executado, a seu critério, postule o parcelamento em número menor.

Releva salientar que o parcelamento do débito, estando presentes os requisitos legais, não se constitui em ato discricionário do juiz. Assim, deve o juiz, atendidas as exigências já aludidas, deferir o parcelamento, por se tratar o mesmo de direito subjetivo do executado.


4 DA PROCEDIMENTALIZAÇÃO DO INCIDENTE DE PARCELAMENTO JUDICIAL

O parcelamento judicial deverá ser formulado através de petitio simplex, no próprio processo de execução, sem maiores formalidades, demonstrando o executado a presença dos requisitos necessários à sua concessão.

Apesar da omissão do artigo 745-A do Estatuto Processual Civil, o exeqüente deverá ser ouvido a respeito do pedido de parcelamento do débito, com a instauração do indispensável contraditório. Entendo razoável ao juiz, diante da ausência de previsão legal, determinar a intimação do exeqüente, na pessoa de seu advogado, para que possa manifestar-se no prazo de cinco dias sobre o incidente suscitado pelo executado, quando poderá o exeqüente encampar ou impugnar o requerimento apresentado ao Estado – Juiz. Defendo a possibilidade de ser facultado ao executado, demonstrada a insuficiência do depósito, por não ser o cálculo do débito nem sempre de fácil elaboração, o direito de complementar o depósito, em atenção à finalidade maior do processo de execução de dar satisfação ao direito emanado do título. Nem sempre será simples para o executado encontrar, para a realização do depósito prévio, o valor correto do seu débito, o que poderá ser sempre alvo de impugnação por parte do exeqüente. Concordando o executado com a impugnação do exeqüente não vejo razões para não admitir a complementação do depósito.

A decisão deferitória ou não do requerimento de parcelamento desafiará recurso de agravo de instrumento. É necessário deixar claro que o recurso de agravo retido é incompatível com o processo de execução, porquanto o conhecimento e apreciação da mencionada modalidade recursal fica, como de curial sabença, condicionado à prolação de sentença desfavorável aos interesses do agravante e à sua ratificação em sede de recurso de apelação. Por não se prestar o processo de execução à prolação de sentença com resolução de mérito, fica fácil entender não ser admissível o recurso de agravo retido em face das decisões interlocutórias proferidas no seu bojo.

Extrai-se do § 1º do artigo 745-A do Digesto Processual Civil que "sendo a proposta deferida pelo juiz, o exeqüente levantará a quantia depositada e serão suspensos os atos executivos; caso indeferida seguir-se-ão os atos executivos, mantido o depósito". Destarte, acolhida a proposta pelo juiz, depois de estabelecido o contraditório, o exeqüente ficará autorizado a levantar a quantia depositada (30%) pelo executado, com a imediata suspensão do curso natural do processo de execução, durante o prazo do parcelamento. Como o executado reconheceu o débito, ao postular pelo parcelamento, terá restado incontroverso o valor depositado, inexistindo óbice no sentido de que o exeqüente possa, de imediato, nesta hipótese sem a audição do executado, levantar a quantia depositada.

Poderá, da mesma forma, ocorrer o indeferimento do pedido de parcelamento deduzido nos autos da executória, quando deverá ser observada a regra preconizada pela parte final do § 1º do artigo 745-A do CPC, com a imediata retomada da prática dos atos executórios necessários ao desenvolvimento do processo. Neste caso, afirma o texto legal que o depósito preparatório realizado pelo executado a ele não será devolvido, ficando mantido o mesmo a título de garantia da execução. Neste sentido, encontra-se o magistério do prof. Humberto Theodoro Júnior (2007, p. 220), a saber:

Da denegação do parcelamento decorre o prosseguimento normal dos atos executivos, mesmo porque o eventual agravo não terá, em regra, efeito suspensivo. O depósito preparatório da medida frustrada não será devolvido (art. 745-A, § 1º, in fine); permanecerá como garantia do juízo e, se já não houver tempo útil para embargos, poderá ser levantado pelo credor, para amortizar o débito do executado. Deve-se lembrar que ao postular o parcelamento o executado já reconheceu o crédito do exeqüente. Não terá mais possibilidade de oferecer embargos de mérito. Se houver tempo, poderá apenas, e eventualmente, opuser exceções processuais, como as argüições de penhora incorreta e avaliação errônea.

Impende salientar que em qualquer das hipóteses, com o deferimento ou não do pedido do parcelamento, o executado já terá reconhecido a existência do crédito do exeqüente, com a conseqüente preclusão lógica do direito do executado embargar. Resta claro que o pedido de parcelamento constitui-se em ato jurídico processual incompatível com o direito à oposição dos embargos, resultando a impossibilidade de serem articulados embargos em razão da ocorrência da preclusão lógica. Destarte, uma vez veiculado pedido de parcelamento, com ou sem o deferimento da referida pretensão incidental, perderá o executado o direito de apresentar embargos de mérito. A preclusão lógica alcançará, por evidente, apenas os denominados embargos de mérito, por não ser possível ao executado questionar, a esta altura do processo, a existência ou não do crédito do exeqüente. Contudo, não existe nenhum empeço à articulação dos embargos processuais ou de forma, com o executado impugnando alguns dos atos praticados no processo de execução, desde que ainda não exaurido o prazo para embargar quando do indeferimento do pleito de parcelamento, mesmo porque, sobreleva acentuar, o pedido de parcelamento não tem a aptidão de suspender o prazo para que o executado possa aforar os seus embargos. Assim, mesmo com o não acolhimento do pedido de parcelamento poderá o exeqüente, via de regra, levantar a quantia depositada. A meu ver, o legislador ao afirmar que será mantido o depósito no caso de indeferimento do pedido de parcelamento quis apenas deixar claro que a verba depositada não será devolvida ao executado, não impedindo que o exeqüente possa, contudo, diante do reconhecimento a respeito da existência do seu crédito, levantar a quantia depositada a título de amortização do débito do executado.

Estou certo, igualmente, pela conseqüência principal de gerar o pedido de parcelamento o reconhecimento integral do crédito do exeqüente, que o advogado do executado deverá estar munido de poder específico para que possa ser desencadeada a referida pretensão incidental, não sendo suficiente o instrumento de mandato com poderes gerais para o foro (ad judicia ).


5 DA CLÁUSULA RESOLUTÓRIA LEGAL E DA MULTA PELO DESCUMPRIMENTO DO PARCELAMENTO

Ressumbra da dicção do § 2º do artigo 745-A do Código de Processo Civil que:

O não pagamento de qualquer das prestações implicará, de pleno direito, o vencimento das subseqüentes e o prosseguimento do processo, com o imediato início dos atos executivos, imposta ao executado multa de 10% (dez por cento) sobre o valor das prestações não pagas e vedada a oposição de embargos.

Verifica-se do dispositivo supra que o executado deverá adimplir de forma integral o parcelamento para fazer jus à extinção da relação obrigacional e ver extinto o processo de execução. Desta forma, o não pagamento de qualquer das parcelas acarretará a imediata resolução do parcelamento anteriormente deferido, com o vencimento das parcelas subseqüentes e a retomada do curso do feito executório, com a agravante de ter o executado perdido o direito de opor embargos, por expressa disposição legal (preclusão lógica).

Será suficiente a mora no pagamento de qualquer das parcelas para que juiz determine o prosseguimento do feito, com a cessação da suspensão gerada pelo acolhimento do parcelamento. Se não bastasse, o executado sofrerá uma sanção, consistente na imposição legal de multa de 10% sobre o valor das parcelas inadimplidas. A mencionada multa possui caráter punitivo e, ao mesmo tempo, cominatória. Não pode ser negado que a multa, apesar de ser legal, também tem por finalidade exercer pressão psicológica no executado no sentido de compeli-lo a cumprir integralmente o parcelamento. Assim, a multa em referência possui natureza heterogênea ou híbrida, com maior prevalência à sua característica de sanção legal, não podendo o juiz, por tal motivo, reduzi-la ou majorá-la.

Como efeito, é necessário que o executado reflita bastante antes de requerer o parcelamento judicial de seu débito, diante dos efeitos ocasionados pelo não adimplemento. Através do presente instituto, o legislador buscou, com certeza, levar adiante a execução de forma menos onerosa para o executado, em homenagem ao que preconiza o artigo 620 do Código de Processo Civil, visando, da mesma forma, reduzir o prazo de duração do processo de execução para o exeqüente.


REFERÊNCIAS

CARREIRA ALVIM, J. E. Nova Execução de Título Extrajudicial. Comentários à Lei 11.382/06. Juruá Editora. 1ª edição. Curitiba: 2007, pág. 220.

THEODORO JUNIOR, Humberto. A Reforma da Execução do Título Extrajudicial. Editora Forense. 1ª edição. Rio de Janeiro: 2007, página 220.

Do julgamento liminar de improcedência. Comentários à Lei nº 11.277/2006

O sistema processual civil vem passando, como sabido, por mudanças, algumas radicais outras mais tímidas, sempre com a intenção manifesta de ser formatado um modelo processual apto a alcançar o justo, como conseqüência do acesso à uma ordem jurídica justa, tornando o processo, assim, em instrumento ético-jurídico capaz de garantir aos seus partícipes a obtenção ou proteção efetiva dos seus direitos. Os princípios da instrumentalidade, da efetividade e da celeridade processual sempre nortearam, pelo que observamos, o legislador, seja nas reformas passadas ou nas atuais. Cada vez mais se faz indispensável a necessidade de ser combatido o denominado tempo-inimigo e os males gerados pelo retardamento na apresentação da tutela jurisdicional, através da criação de técnicas internas de otimização da relação jurídica processual, com o fito de evitar o desenvolvimento de processos considerados inúteis, por versarem sobre matérias já pacificadas, as quais já tenham sido, de forma exaustiva, apreciadas pelo Estado Juiz.A alcandora promessa constitucional de uma tutela jurisdicional tempestiva e efetiva deve ser uma realidade, de modo que novas técnicas de tutelas deverão surgir para celerizar a marcha do processo em busca de seu escopo precípuo de manutenção da paz social. A respeito do tempo – inimigo, aliás, merece ser trazido à baila o escólio de Dinamarco (2005, p.56), ao afirmar que "desencadear medidas contra o tempo inimigo é um modo de cumprir o compromisso, solenemente assumido pelo Estado brasileiro ao aderir ao Pacto de San José da Costa Rica, de oferecer aos litigantes uma tutela jurisdicional em prazo razoável". É preciso, assim, aplaudir as últimas reformas trazidas a lume, mormente a que quebrou a dicotomia cognição-execução, com a criação de uma fase denominada de cumprimento de sentença (entendo que melhor ficaria se o legislador tivesse empregado a expressão fase de execução), através do desencadeamento, no mesmo processo, da prática dos atos processuais executórios, sem a necessidade da instauração do processo civil executório ex intervallo .

Vivemos uma nova realidade, qual seja, uma terceira onda de acesso à justiça, através da criação de formas de tutelas jurisdicionais diferenciadas, para a proteção de determinados direitos materiais e até mesmo para agilizar a apresentação e efetividade da prestação jurisdicional.

Neste sentido, é importante recordar, sobre o tema, o magistério emanado do processualista Câmara (2005, p.39):

"A terceira onda do acesso à justiça é, como facilmente se verifica, a que se vive hoje, quando estudiosos do direito processual de todo o planeta se preocupam em garantir uma maior satisfação do jurisdicionado com a prestação da tutela jurisdicional, a qual deve ser efetiva e adequada a garantir verdadeira proteção às posições jurídicas de vantagem lesadas ou ameaçadas".

Não é por outra razão que Dinamarco (2005, p.134) acentua que "todas as reformas do Código de Processo Civil ocorridas recentemente foram respostas a muitos dos reclamos da doutrina e da população por um sistema processual mais eficiente e capaz de atender ao trinômio qualidade-tempestividade-efetividade"

Essa onda reformista, iniciada em meados do ano de 1994, a meu ver necessária, culminou, mais recentemente, com a edição das Leis 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006, sem contar com a mudança sofrida pelo sistema recursal, mais especificamente com o recurso de agravo. Impende salientar que as referidas leis encontram-se no período da vacatio legis, exceto a que modificou a sistemática do recurso de agravo que já se encontra em plena aplicação – Lei nº 11.187/2005, sendo que todas as demais entrarão em vigor nos meses de maio e junho do fluente ano. Ressalto, contudo, que será objeto de exame no presente trabalho doutrinário apenas as inovações e repercussões geradas na sistemática processual civil pátria pela Lei nº 11.277/2006.


2 DA LEI Nº 11.277/2006 E OS SEUS EFEITOS NA OTIMIZAÇÃO DO PROCESSO

A Lei nº 11.277/2006 acresceu ao Código de Processo Civil (Lei nº 5.869/73) o artigo 285-A, o qual recebeu a seguinte redação:

"Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensadas a citação e proferida a sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada".

O dispositivo em exame demonstra a preocupação com a celerização do processo, bem como com o atraso na apresentação da tutela jurisdicional gerado pelo congestionamento do Poder Judiciário em razão de demandas repetitivas, combatendo, desta forma, o tempo-inimigo, ao propiciar que o pedido, ainda no nascedouro da relação processual, possa ser julgado improcedente, desde que preenchidos os requisitos do referido artigo, os quais serão analisados mais adiante.

À primeira vista, poderia ser afirmado que o preceito inserto no artigo 285-A visa beneficiar o Réu, uma vez que, quando da prolação de sentença dando pela total improcedência da pretensão jurídica de direito material formulada, não teria ocorrido ainda a perfectibilização da citação do Réu, não sofrendo o mesmo, desta forma, a necessidade de integrar o feito articulando contraposição negativa ao pedido deduzido. Contudo, entendo que maior beneficiado pela medida celerizadora será o próprio Autor, porquanto restará evitado, pela possibilidade do julgamento imediato de improcedência do pedido, o inútil desenvolvimento de um processo cujo deslinde da controvérsia já estava definido pelo Juiz desde quando da veiculação da demanda na petição inicial.

Não tenho dúvidas, por outro lado, que a medida criada pelo artigo 285-A constitui-se em modalidade específica de imediato julgamento do mérito, posto que se encontra aberta a possibilidade para o Juiz enfrentar o tema litigioso de plano, com a abreviação do procedimento, atendidos os requisitos legais que ainda serão examinados. De outra sorte, não pode ser olvidado que o novel instituto não engessa o Juiz, tornando-o refém de suas decisões anteriormente prolatadas, posto que, mercê de sua convicção ou entendimento a respeito dos temas litigiosos levados à sua apreciação, poderá deixar de aplicar o instituto. Quero dizer, assim, que o Juiz sempre poderá renovar seu posicionamento sobre os mais variados temas, não se constituindo em obrigação ou dever apreciar de imediato o mérito, ainda que presentes os requisitos legais para o julgamento de improcedência prima facie.

Como a aplicação do instituto consubstanciado no novo artigo se ganha tempo e economiza-se energia, podendo o Estado – Juiz dedicar-se a outros temas litigiosos ou outras crises jurídicas ainda marcadas pelo ineditismo e pela divergência existente em torno das mesmas no mundo jurídico. Se bem empregado, o instituto evitará a repetição de demandas ou processos repetitivos que envolvam temas que já se encontram pacificados.

Neste particular, merece ser transcrita a lição de Passos (2006, p.146):

"O que o legislador pretendeu, para resolver rapidamente o congestionamento causado por demandas multitudinárias, ante a ocorrência de mais de duas causas análogas já julgadas e não idênticas, com causas de pedir e pedidos diversos, mas semelhantes, com identidade apenas de tese jurídica, nas demais, também diferentes e semelhantes, foi permitir ao juiz a prolação de sentença de improcedência limine litis, prima facie e por atacado".

Na justificação de motivos da referida lei, encontramos a finalidade do instituto na afirmação de que "a proposta vai nesse sentido ao criar mecanismo que permite ao juiz, nos casos de processos repetitivos, em que a matéria for unicamente de direito, e no juízo houver sentença de total improcedência, dispensar a citação e proferir decisão reproduzindo a anteriormente prolatada".

Destarte, diante da dicção do artigo 285-A, pode ser afirmado que foi criada uma nova modalidade de imediato julgamento do mérito, além das hipóteses já previstas no artigo 330 e incisos do Estatuto Processual, com a diferença básica de que no julgamento antecipado da lide o Juiz está obrigado a julgar o mérito, abreviando o procedimento, qualquer que seja a solução a ser dada ao tema controvertido, desde que presentes os requisitos legais. Na improcedência liminar, como já afirmado, o Juiz não possui a obrigação de apreciar o mérito, tratando-se de uma faculdade colocada à sua disposição.

Como muito bem lembrado pelo Theodoro Júnior (2004, p.360):

"A instituição do julgamento antecipado da lide deveu-se, portanto, à observância do princípio da economia processual e trouxe aos pretórios grande desafogo pela eliminação de enormes quantidades de audiências que, ao tempo do Código revogado, eram realizadas sem nenhuma vantagem para as partes e com grande perda de tempo para a Justiça".

No caso da imediata improcedência do pedido, da mesma forma e com maior amplitude, o legislador pretende evitar o desenvolvimento de um processo sem nenhuma vantagem para o Autor, diante da já formada convicção do julgador, fundada na prolação de reiteradas sentenças de improcedência de pedidos análogos, envolvendo casos idênticos.


3 REQUISITOS AUTORIZADORES DO IMEDIATO JULGAMENTO DO MÉRITO

Antes de analisar os requisitos formais para a aplicação da nova modalidade de julgamento prima facie da lide, devo ressaltar que o julgamento de total improcedência do pedido só poderá ocorrer na fase embrionária do processo após o Juiz, no exercício de sua atividade saneadora, verificar se estão presentes na hipótese os pressupostos processuais e as condições da ação. É que na falta dos pressupostos processuais (às vezes até a presença quando o pressuposto for negativo) e das condições da ação o Juiz deverá proferir sentença sem resolução de mérito (artigo 267 do CPC). A meu ver, por outro lado, entendo adequar-se melhor ao instituto em tela o emprego do nomen juris julgamento imediato do mérito, posto que quando o juiz, observados os requisitos legais, proferir a sentença de total improcedência do pedido, estará, na realidade, decidindo no momento processual adequado, posto que já convencido da inconsistência da tese jurídica levantada pelo Autor na inicial, surgindo para ele a faculdade, portanto, de julgar nessa oportunidade. Aliás, na hipótese do juiz não proferir julgamento de improcedência prima facie, uma vez preenchidos os requisitos legais, estará ele postergando a resolução a respeito do mérito, de modo a permitir ser afirmado que o seu julgamento, ao final do iter processual, poderá ser rotulado de retardado ou até mesmo protelatório, desde que, por razão de lógica, o julgamento, ao final, também seja de total improcedência do pedido. Tal se dá pelo fato de que o Juiz poderia ter julgado totalmente improcedente a pretensão deduzida já na fase inaugural do processo, quando ainda linear a relação processual. Extrai-se da inteligência do artigo 285-A que para que ocorra o julgamento imediato do mérito faz-se mister, primeiramente, que o tema controvertido seja unicamente de direito, ou seja, que envolva matéria apenas jurídica, sem necessidade de dilação probatória para a dilucidação de fatos considerados relevantes ou pertinentes. O instituto em comento, assim, revela-se incompatível com a discussão em torno de temas ligados a fatos, quando haverá necessidade de regular instrução do feito. O artigo em testilha faz alusão, também, como requisito essencial para o julgamento imediato do mérito, tenha o juízo proferido sentença de total improcedência em outros casos idênticos. Deve ser salientado, assim, que devem ter sido proferidas várias sentenças sobre o mesmo tema, em casos idênticos (as ações não precisam ser idênticas, quando então elas teriam que possuir em comum os mesmos elementos – o dispositivo em análise faz referência a casos e não causa , demanda ou outra terminologia com o mesmo significado) . Basta apenas a similaridade entre o pedido e a causa de pedir da demanda proposta e os paradigmas de improcedência declinados pelo julgador, admitindo-se a diversidade de partes. Não há que se falar, ao que se vê, em demandas idênticas (teoria da tríplice identidade), quando então teríamos a coisa julgada, pressuposto processual impeditivo do exame do mérito. Para o julgamento imediato, dessarte, deverá existir mais de uma sentença que poderá servir de paradigma, porquanto o artigo 285-A faz referência a sentença proferida em "casos idênticos", fator que pressupõe a existência, no mínimo, de duas sentenças anteriormente proferidas. Não há que se exigir na espécie, como anteriormente assinalado, que a sentença paradigma tenha sido proferida entre as mesmas partes.

O artigo em comento, por outro lado, exige que a sentença paradigma tenha sido proferida pelo mesmo juízo. Por juízo deve ser entendido o órgão jurisdicional dotado de competência para apreciar e julgar as causas dentro de uma circunscrição territorial. Portanto, uma Comarca pode ser dotada de vários juízos, unidades jurisdicionais, distribuídas em varas. Assim, a sentença paradigma deverá ser da autoria do juízo que irá proferir o julgamento liminar de total improcedência do pedido, ainda que na mesma unidade jurisdicional (juízo) outro juiz, ainda que a título de substituição ou em auxílio, tenha sido o autor do ato sentencial. Destarte, não vislumbro ser possível em uma Comarca com vários juízos a possibilidade de que seja aproveitada, para a aplicação do instituto em testilha, uma sentença proferida por juízo diverso.

Outra exigência é que a sentença prolatada seja de total improcedência do pedido. É que a edição de sentença de procedência parcial e até mesmo de total procedência do pedido estaria em total descompasso com princípio do devido processo legal, porquanto ainda não teria sido estabelecida, com a indispensável citação do Réu, a angularização da relação jurídica processual. Não é por outra razão que só será possível a incidência do instituto em análise na hipótese de prolação de sentença de total improcedência do pedido, quando então não haverá possibilidade do Réu sofrer qualquer prejuízo. A sentença dando procedência parcial ao pedido ou até mesmo total procedência seria, a toda evidência, prejudicial ao Réu, o qual, impende salientar, ainda não teria sido citado. Haveria, nesta situação, visível afronta aos princípios constitucionais processuais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, da Lex Fundamentalis).

Ademais, o instituto em exame não se revela inconstitucional, posto que a sentença de total improcedência do pedido será incapaz de causar qualquer prejuízo ao Réu. Aliás, que Réu não se sentiria feliz por ter obtido uma sentença totalmente desfavorável a uma pretensão em face dele deduzida sem ter sido sequer convocado a integrar o processo. Não vejo, desta forma, qualquer ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Deverá o Juiz, ao dar aplicação ao novel instituto, reproduzir a sentença anteriormente prolatada. O requisito em apreço, a meu ver, merece temperamento, uma vez que numa interpretação mais açodada poderia transparecer que o Juiz ao sentenciar pela imediata improcedência do pedido deveria reproduzir, na íntegra, a sentença paradigma. Basta, para atender à exigência legal, que o juiz faça alusão, na sua sentença, a respeito do provimento jurisdicional com resolução de mérito que está servindo de modelo, citando o número dos autos do feito e, com certeza, fazendo alusão, ainda que de forma sumária, à situação controvertida considerada idêntica ( tese jurídica agregada à causa de pedir ). A exigência é para garantir o princípio da ampla defesa e facultar ao Autor a deflagração de recurso apelatório buscando demonstrar a falta de identidade ou semelhança entre as teses jurídicas (identidade entre os casos). A fundamentação da sentença será a mesma adotada pela sentença paradigma, fato que não significa que não estará sendo proferida outra sentença, envolvendo, inclusive, partes diferentes.


4 DO SISTEMA RECURSAL

§ 1º "se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de cinco dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação".

§ 2º "caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso".

O ato judicial que der pela improcedência total do pedido, nos termos do que preconiza o artigo 285-A, constitui-se em sentença com resolução de mérito, à testa do disposto no artigo 269 do Código de Processo Civil (redação da Lei nº 11.232/2005), desafiando, portanto, recurso de apelação.

O recurso de apelação interposto em face da mencionada sentença, contudo, ao que se vê do § 1º do artigo 285-A, possui efeito regressivo, com a possibilidade do próprio Juízo prolator do ato sentencial manter ou não o seu ato jurisdicional. Trata-se de regra semelhante à prevista no artigo 296 do Digesto Processual Civil, que possibilita ao Juiz, nas hipóteses de indeferimento da inicial, retratar-se em sede de recurso de apelação. Ocorrendo a retratação, o Réu será citado com a conseqüente angularização da relação processual, estabelecendo-se o contraditório.

Como assevera Gonçalves (2005, p.86), "denomina-se efeito regressivo a faculdade que alguns recursos atribuem ao órgão a quo de reconsiderar a decisão atacada".

Não sendo consumada a retratação, achando por bem o Juiz manter a sentença, deverá o Réu ser citado para responder ao recurso apelatório aviado. Não será o Réu citado para apresentar resposta (exceções, contestação ou reconvenção).

Sendo dado provimento ao recurso de apelação, o Tribunal não poderá julgar procedente de plano o pedido do Autor, sob pena de violação ao princípio do devido processo legal, o qual, a meu ver, constitui-se no princípio primário, sendo todos os demais decorrentes do mesmo (sub-princípios). Não tem incidência na fase recursal o regramento vazado no § 3º do artigo 515 do Código de Processo Civil, o qual diz respeito a recurso apelatório interposto em face de sentença de natureza processual, capaz de acarretar a extinção do processo sem resolução de mérito.

Por outro turno, a matéria recursal deverá ficar jungida à alegação de ser necessária a cassação da sentença para que o processo tenha curso regular, devendo o Autor demonstrar ao Tribunal que não era possível o julgamento imediato do mérito, conforme preconizado pelo artigo 285-A. Não será possível ao Autor, em sítio de recurso, discutir a justiça (error in judicando) da sentença com resolução de mérito que tenha dado pela total improcedência do pedido. Poderá o Autor apenas aduzir, em duplo grau de jurisdição, não estarem presentes os requisitos autorizadores do julgamento imediato do mérito.

Uma vez determinado o prosseguimento do processo, como conseqüência do provimento do recurso manejado pelo Autor, o Réu será intimado, a partir de quando começará a fluir o prazo para a apresentação da contestação.

É importante salientar que a sentença de total improcedência do pedido (declaratória negativa) terá o condão, exauridas as vias recursais, de adquirir a qualidade de coisa julgada material, surgindo a necessidade, apesar de omissa a lei, de ser o Réu intimado para que possa tomar conhecimento da imunização do comando emergencial emanado da sentença e possa, em caso de futura renovação da demanda por parte do Autor, alegar o impedimento processual da coisa julgada. Não pode ser olvidado que a coisa julgada material irradia seus efeitos para fora da relação jurídica processual em que proferida a sentença, tendo o Réu o direito de tomar conhecimento a respeito da ocorrência da coisa julgada para que possa evitar a renovação de lides não inéditas, já atingidas pela res judicata.


5 DA APLICAÇÃO DO INSTITUTO AO MICROSSISTEMA DA LEI Nº 9099/95

Não vejo nenhum óbice à aplicação do instituto do julgamento imediato do mérito no microssistema trazido pela Lei nº 9099/95. Ao revés, o sistema principiológico que norteia o processo nos Juizados Especiais Cíveis encontra conforto no novo instituto, o qual, como afirmado anteriormente, tem a finalidade precípua de celerizar o processo, evitando o curso de um processo em que se discutem temas estéreis, cujo o deslinde em torno da pretensão será, de forma inevitável, a de sua total improcedência. A simplicidade, com a conseqüente sumarização procedimental, como cediço, constitui-se em princípio fundamental dos Juizados Especiais Cíveis. Ademais, as normas emanadas do Código de Processo Civil, no que for omissa a Lei nº 9099/95, deverão ser aplicadas de forma supletiva ou subsidiária aos processos em curso nos Juizados Especiais Cíveis.

Entendo, contudo, por razões óbvias, não ser possível a aplicação do artigo 285-A aos processos de execução e cautelar, dada a peculiaridade da tutela jurisdicional a ser prestada nas referidas modalidades processuais. O processo de execução possui natureza satisfativa, tendo por escopo primordial a atuação da sanção, não se prestando ao acertamento de relação jurídica controvertida. Quero dizer que o processo de execução não visa à obtenção de uma sentença com resolução de mérito capaz de adquirir a qualidade de coisa julgada material.

O processo cautelar, por possuir natureza instrumental, visando garantir a eficácia de outro processo, não pode ser palco de sentença com resolução de mérito, única capaz de definir o direito subjetivo material controvertido. Portanto, estou certo de que o instituto em estudo não abrange o processo cautelar e de execução, ficando o seu campo de atuação reservado ao processo de conhecimento.


6 CONCLUSÃO

A Lei nº 11.277/2006, com a inserção no Código de Processo Civil do novo artigo 285-A, criou uma modalidade de julgamento imediato do mérito de natureza negativa, por ser possível apenas quando for julgado totalmente improcedente o pedido formulado pelo Autor (sentença declaratória negativa).

Portanto, possui o novo instituto um campo menor de incidência, sendo, neste particular, diferente das demais hipóteses de julgamento antecipado da lide, previstas no artigo 330, incs. I e II, do Código Instrumental Civil, uma vez que nas hipóteses de julgamento antecipado da lide o pedido poderá receber qualquer julgamento (procedência ou improcedência, de forma total ou parcial), aliado ao fato de que no julgamento antecipado o juiz não possui a mera faculdade de abreviar o procedimento com a prolação da sentença no estado em que se encontra o processo.

Por outro lado, o instituto em comento não vincula o Juiz aos seus julgamentos anteriores, podendo o julgador, a qualquer momento, mudar de convicção sobre os temas litigiosos trazidos à sua apreciação. Trata-se de uma mera faculdade colocada à disposição do Juiz, podendo o instituto do imediato julgamento do mérito produzir efeitos jurídicos positivos caso bem utilizado pelo julgador, o qual poderá evitar a repetição de demandas envolvendo temas estéreis, que há muito deixaram de ser azoinantes no universo jurídico, reservando para a atividade jurisdicional, desta forma, apenas os temas realmente relevantes, capazes ainda de gerar controvérsias.

Entendo, desta forma, que o legislador foi feliz com a inovação realizada, demonstrando, mais uma vez, a sua preocupação com a obtenção de um modelo processual ágil, capaz de propiciar ao Estado – Juiz a possibilidade de cumprir o seu compromisso constitucional de ofertar à sociedade brasileira uma tutela jurisdicional tempestiva, racional e efetiva.

Tomara que as modificações realizadas em nosso sistema processual, ao se oporem ao processo civil clássico, consigam fazer com que o processo brasileiro aproxime-se de um modelo instrumental capaz de assegurar às partes um tratamento simétrico, com a incidência de uma isonomia substancial, através da prática de um contraditório equilibrado capaz de gerar a paridade de armas ou forças entre os sujeitos do processo, com a garantia da consecução da efetividade das decisões jurisdicionais. O tempo indicará, com certeza, se as reformas ultimadas serão capazes de criar este modelo de processo ideal, instrumento de realização do justo. No julgamento prima facie do mérito (artigo 285-A), por sua vez, o sucesso da reforma dependerá, não tenho dúvidas, da aplicação sistemática do instituto por parte dos juízes. É necessário, assim, que o espírito da reforma seja agregado à consciência dos juízes, os quais, por serem os principais destinatários da salutar inovação, não devem demonstrar timidez na sua aplicação.


REFERÊNCIAS

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. vol. 1, 12ª edição, Lumen Júris, Rio de Janeiro: 2005, p.39.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. vol. 1, editora Malheiros, Rio de Janeiro: 2005, p. 134.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 1º edição, editora Malheiros, Rio de Janeiro: 2005, p.56)

PASSOS, Carlos Eduardo da Fonseca. ADV-COAD – Informativo - Boletim Semanal nº 08, Rio de Janeiro: 2006, p.146.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 37º edição, vol. 1, Forense, Rio de Janeiro: 2004, p.360.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 4ª edição, vol. 1, Saraiva, São Paulo : 2005, p.86.

Do julgamento liminar de improcedência. Comentários à Lei nº 11.277/2006

O sistema processual civil vem passando, como sabido, por mudanças, algumas radicais outras mais tímidas, sempre com a intenção manifesta de ser formatado um modelo processual apto a alcançar o justo, como conseqüência do acesso à uma ordem jurídica justa, tornando o processo, assim, em instrumento ético-jurídico capaz de garantir aos seus partícipes a obtenção ou proteção efetiva dos seus direitos. Os princípios da instrumentalidade, da efetividade e da celeridade processual sempre nortearam, pelo que observamos, o legislador, seja nas reformas passadas ou nas atuais. Cada vez mais se faz indispensável a necessidade de ser combatido o denominado tempo-inimigo e os males gerados pelo retardamento na apresentação da tutela jurisdicional, através da criação de técnicas internas de otimização da relação jurídica processual, com o fito de evitar o desenvolvimento de processos considerados inúteis, por versarem sobre matérias já pacificadas, as quais já tenham sido, de forma exaustiva, apreciadas pelo Estado Juiz.A alcandora promessa constitucional de uma tutela jurisdicional tempestiva e efetiva deve ser uma realidade, de modo que novas técnicas de tutelas deverão surgir para celerizar a marcha do processo em busca de seu escopo precípuo de manutenção da paz social. A respeito do tempo – inimigo, aliás, merece ser trazido à baila o escólio de Dinamarco (2005, p.56), ao afirmar que "desencadear medidas contra o tempo inimigo é um modo de cumprir o compromisso, solenemente assumido pelo Estado brasileiro ao aderir ao Pacto de San José da Costa Rica, de oferecer aos litigantes uma tutela jurisdicional em prazo razoável". É preciso, assim, aplaudir as últimas reformas trazidas a lume, mormente a que quebrou a dicotomia cognição-execução, com a criação de uma fase denominada de cumprimento de sentença (entendo que melhor ficaria se o legislador tivesse empregado a expressão fase de execução), através do desencadeamento, no mesmo processo, da prática dos atos processuais executórios, sem a necessidade da instauração do processo civil executório ex intervallo .

Vivemos uma nova realidade, qual seja, uma terceira onda de acesso à justiça, através da criação de formas de tutelas jurisdicionais diferenciadas, para a proteção de determinados direitos materiais e até mesmo para agilizar a apresentação e efetividade da prestação jurisdicional.

Neste sentido, é importante recordar, sobre o tema, o magistério emanado do processualista Câmara (2005, p.39):

"A terceira onda do acesso à justiça é, como facilmente se verifica, a que se vive hoje, quando estudiosos do direito processual de todo o planeta se preocupam em garantir uma maior satisfação do jurisdicionado com a prestação da tutela jurisdicional, a qual deve ser efetiva e adequada a garantir verdadeira proteção às posições jurídicas de vantagem lesadas ou ameaçadas".

Não é por outra razão que Dinamarco (2005, p.134) acentua que "todas as reformas do Código de Processo Civil ocorridas recentemente foram respostas a muitos dos reclamos da doutrina e da população por um sistema processual mais eficiente e capaz de atender ao trinômio qualidade-tempestividade-efetividade"

Essa onda reformista, iniciada em meados do ano de 1994, a meu ver necessária, culminou, mais recentemente, com a edição das Leis 11.232/2005, 11.276/2006, 11.277/2006 e 11.280/2006, sem contar com a mudança sofrida pelo sistema recursal, mais especificamente com o recurso de agravo. Impende salientar que as referidas leis encontram-se no período da vacatio legis, exceto a que modificou a sistemática do recurso de agravo que já se encontra em plena aplicação – Lei nº 11.187/2005, sendo que todas as demais entrarão em vigor nos meses de maio e junho do fluente ano. Ressalto, contudo, que será objeto de exame no presente trabalho doutrinário apenas as inovações e repercussões geradas na sistemática processual civil pátria pela Lei nº 11.277/2006.


2 DA LEI Nº 11.277/2006 E OS SEUS EFEITOS NA OTIMIZAÇÃO DO PROCESSO

A Lei nº 11.277/2006 acresceu ao Código de Processo Civil (Lei nº 5.869/73) o artigo 285-A, o qual recebeu a seguinte redação:

"Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensadas a citação e proferida a sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada".

O dispositivo em exame demonstra a preocupação com a celerização do processo, bem como com o atraso na apresentação da tutela jurisdicional gerado pelo congestionamento do Poder Judiciário em razão de demandas repetitivas, combatendo, desta forma, o tempo-inimigo, ao propiciar que o pedido, ainda no nascedouro da relação processual, possa ser julgado improcedente, desde que preenchidos os requisitos do referido artigo, os quais serão analisados mais adiante.

À primeira vista, poderia ser afirmado que o preceito inserto no artigo 285-A visa beneficiar o Réu, uma vez que, quando da prolação de sentença dando pela total improcedência da pretensão jurídica de direito material formulada, não teria ocorrido ainda a perfectibilização da citação do Réu, não sofrendo o mesmo, desta forma, a necessidade de integrar o feito articulando contraposição negativa ao pedido deduzido. Contudo, entendo que maior beneficiado pela medida celerizadora será o próprio Autor, porquanto restará evitado, pela possibilidade do julgamento imediato de improcedência do pedido, o inútil desenvolvimento de um processo cujo deslinde da controvérsia já estava definido pelo Juiz desde quando da veiculação da demanda na petição inicial.

Não tenho dúvidas, por outro lado, que a medida criada pelo artigo 285-A constitui-se em modalidade específica de imediato julgamento do mérito, posto que se encontra aberta a possibilidade para o Juiz enfrentar o tema litigioso de plano, com a abreviação do procedimento, atendidos os requisitos legais que ainda serão examinados. De outra sorte, não pode ser olvidado que o novel instituto não engessa o Juiz, tornando-o refém de suas decisões anteriormente prolatadas, posto que, mercê de sua convicção ou entendimento a respeito dos temas litigiosos levados à sua apreciação, poderá deixar de aplicar o instituto. Quero dizer, assim, que o Juiz sempre poderá renovar seu posicionamento sobre os mais variados temas, não se constituindo em obrigação ou dever apreciar de imediato o mérito, ainda que presentes os requisitos legais para o julgamento de improcedência prima facie.

Como a aplicação do instituto consubstanciado no novo artigo se ganha tempo e economiza-se energia, podendo o Estado – Juiz dedicar-se a outros temas litigiosos ou outras crises jurídicas ainda marcadas pelo ineditismo e pela divergência existente em torno das mesmas no mundo jurídico. Se bem empregado, o instituto evitará a repetição de demandas ou processos repetitivos que envolvam temas que já se encontram pacificados.

Neste particular, merece ser transcrita a lição de Passos (2006, p.146):

"O que o legislador pretendeu, para resolver rapidamente o congestionamento causado por demandas multitudinárias, ante a ocorrência de mais de duas causas análogas já julgadas e não idênticas, com causas de pedir e pedidos diversos, mas semelhantes, com identidade apenas de tese jurídica, nas demais, também diferentes e semelhantes, foi permitir ao juiz a prolação de sentença de improcedência limine litis, prima facie e por atacado".

Na justificação de motivos da referida lei, encontramos a finalidade do instituto na afirmação de que "a proposta vai nesse sentido ao criar mecanismo que permite ao juiz, nos casos de processos repetitivos, em que a matéria for unicamente de direito, e no juízo houver sentença de total improcedência, dispensar a citação e proferir decisão reproduzindo a anteriormente prolatada".

Destarte, diante da dicção do artigo 285-A, pode ser afirmado que foi criada uma nova modalidade de imediato julgamento do mérito, além das hipóteses já previstas no artigo 330 e incisos do Estatuto Processual, com a diferença básica de que no julgamento antecipado da lide o Juiz está obrigado a julgar o mérito, abreviando o procedimento, qualquer que seja a solução a ser dada ao tema controvertido, desde que presentes os requisitos legais. Na improcedência liminar, como já afirmado, o Juiz não possui a obrigação de apreciar o mérito, tratando-se de uma faculdade colocada à sua disposição.

Como muito bem lembrado pelo Theodoro Júnior (2004, p.360):

"A instituição do julgamento antecipado da lide deveu-se, portanto, à observância do princípio da economia processual e trouxe aos pretórios grande desafogo pela eliminação de enormes quantidades de audiências que, ao tempo do Código revogado, eram realizadas sem nenhuma vantagem para as partes e com grande perda de tempo para a Justiça".

No caso da imediata improcedência do pedido, da mesma forma e com maior amplitude, o legislador pretende evitar o desenvolvimento de um processo sem nenhuma vantagem para o Autor, diante da já formada convicção do julgador, fundada na prolação de reiteradas sentenças de improcedência de pedidos análogos, envolvendo casos idênticos.


3 REQUISITOS AUTORIZADORES DO IMEDIATO JULGAMENTO DO MÉRITO

Antes de analisar os requisitos formais para a aplicação da nova modalidade de julgamento prima facie da lide, devo ressaltar que o julgamento de total improcedência do pedido só poderá ocorrer na fase embrionária do processo após o Juiz, no exercício de sua atividade saneadora, verificar se estão presentes na hipótese os pressupostos processuais e as condições da ação. É que na falta dos pressupostos processuais (às vezes até a presença quando o pressuposto for negativo) e das condições da ação o Juiz deverá proferir sentença sem resolução de mérito (artigo 267 do CPC). A meu ver, por outro lado, entendo adequar-se melhor ao instituto em tela o emprego do nomen juris julgamento imediato do mérito, posto que quando o juiz, observados os requisitos legais, proferir a sentença de total improcedência do pedido, estará, na realidade, decidindo no momento processual adequado, posto que já convencido da inconsistência da tese jurídica levantada pelo Autor na inicial, surgindo para ele a faculdade, portanto, de julgar nessa oportunidade. Aliás, na hipótese do juiz não proferir julgamento de improcedência prima facie, uma vez preenchidos os requisitos legais, estará ele postergando a resolução a respeito do mérito, de modo a permitir ser afirmado que o seu julgamento, ao final do iter processual, poderá ser rotulado de retardado ou até mesmo protelatório, desde que, por razão de lógica, o julgamento, ao final, também seja de total improcedência do pedido. Tal se dá pelo fato de que o Juiz poderia ter julgado totalmente improcedente a pretensão deduzida já na fase inaugural do processo, quando ainda linear a relação processual. Extrai-se da inteligência do artigo 285-A que para que ocorra o julgamento imediato do mérito faz-se mister, primeiramente, que o tema controvertido seja unicamente de direito, ou seja, que envolva matéria apenas jurídica, sem necessidade de dilação probatória para a dilucidação de fatos considerados relevantes ou pertinentes. O instituto em comento, assim, revela-se incompatível com a discussão em torno de temas ligados a fatos, quando haverá necessidade de regular instrução do feito. O artigo em testilha faz alusão, também, como requisito essencial para o julgamento imediato do mérito, tenha o juízo proferido sentença de total improcedência em outros casos idênticos. Deve ser salientado, assim, que devem ter sido proferidas várias sentenças sobre o mesmo tema, em casos idênticos (as ações não precisam ser idênticas, quando então elas teriam que possuir em comum os mesmos elementos – o dispositivo em análise faz referência a casos e não causa , demanda ou outra terminologia com o mesmo significado) . Basta apenas a similaridade entre o pedido e a causa de pedir da demanda proposta e os paradigmas de improcedência declinados pelo julgador, admitindo-se a diversidade de partes. Não há que se falar, ao que se vê, em demandas idênticas (teoria da tríplice identidade), quando então teríamos a coisa julgada, pressuposto processual impeditivo do exame do mérito. Para o julgamento imediato, dessarte, deverá existir mais de uma sentença que poderá servir de paradigma, porquanto o artigo 285-A faz referência a sentença proferida em "casos idênticos", fator que pressupõe a existência, no mínimo, de duas sentenças anteriormente proferidas. Não há que se exigir na espécie, como anteriormente assinalado, que a sentença paradigma tenha sido proferida entre as mesmas partes.

O artigo em comento, por outro lado, exige que a sentença paradigma tenha sido proferida pelo mesmo juízo. Por juízo deve ser entendido o órgão jurisdicional dotado de competência para apreciar e julgar as causas dentro de uma circunscrição territorial. Portanto, uma Comarca pode ser dotada de vários juízos, unidades jurisdicionais, distribuídas em varas. Assim, a sentença paradigma deverá ser da autoria do juízo que irá proferir o julgamento liminar de total improcedência do pedido, ainda que na mesma unidade jurisdicional (juízo) outro juiz, ainda que a título de substituição ou em auxílio, tenha sido o autor do ato sentencial. Destarte, não vislumbro ser possível em uma Comarca com vários juízos a possibilidade de que seja aproveitada, para a aplicação do instituto em testilha, uma sentença proferida por juízo diverso.

Outra exigência é que a sentença prolatada seja de total improcedência do pedido. É que a edição de sentença de procedência parcial e até mesmo de total procedência do pedido estaria em total descompasso com princípio do devido processo legal, porquanto ainda não teria sido estabelecida, com a indispensável citação do Réu, a angularização da relação jurídica processual. Não é por outra razão que só será possível a incidência do instituto em análise na hipótese de prolação de sentença de total improcedência do pedido, quando então não haverá possibilidade do Réu sofrer qualquer prejuízo. A sentença dando procedência parcial ao pedido ou até mesmo total procedência seria, a toda evidência, prejudicial ao Réu, o qual, impende salientar, ainda não teria sido citado. Haveria, nesta situação, visível afronta aos princípios constitucionais processuais do contraditório e da ampla defesa (artigo 5º, inciso LV, da Lex Fundamentalis).

Ademais, o instituto em exame não se revela inconstitucional, posto que a sentença de total improcedência do pedido será incapaz de causar qualquer prejuízo ao Réu. Aliás, que Réu não se sentiria feliz por ter obtido uma sentença totalmente desfavorável a uma pretensão em face dele deduzida sem ter sido sequer convocado a integrar o processo. Não vejo, desta forma, qualquer ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Deverá o Juiz, ao dar aplicação ao novel instituto, reproduzir a sentença anteriormente prolatada. O requisito em apreço, a meu ver, merece temperamento, uma vez que numa interpretação mais açodada poderia transparecer que o Juiz ao sentenciar pela imediata improcedência do pedido deveria reproduzir, na íntegra, a sentença paradigma. Basta, para atender à exigência legal, que o juiz faça alusão, na sua sentença, a respeito do provimento jurisdicional com resolução de mérito que está servindo de modelo, citando o número dos autos do feito e, com certeza, fazendo alusão, ainda que de forma sumária, à situação controvertida considerada idêntica ( tese jurídica agregada à causa de pedir ). A exigência é para garantir o princípio da ampla defesa e facultar ao Autor a deflagração de recurso apelatório buscando demonstrar a falta de identidade ou semelhança entre as teses jurídicas (identidade entre os casos). A fundamentação da sentença será a mesma adotada pela sentença paradigma, fato que não significa que não estará sendo proferida outra sentença, envolvendo, inclusive, partes diferentes.


4 DO SISTEMA RECURSAL

§ 1º "se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de cinco dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação".

§ 2º "caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso".

O ato judicial que der pela improcedência total do pedido, nos termos do que preconiza o artigo 285-A, constitui-se em sentença com resolução de mérito, à testa do disposto no artigo 269 do Código de Processo Civil (redação da Lei nº 11.232/2005), desafiando, portanto, recurso de apelação.

O recurso de apelação interposto em face da mencionada sentença, contudo, ao que se vê do § 1º do artigo 285-A, possui efeito regressivo, com a possibilidade do próprio Juízo prolator do ato sentencial manter ou não o seu ato jurisdicional. Trata-se de regra semelhante à prevista no artigo 296 do Digesto Processual Civil, que possibilita ao Juiz, nas hipóteses de indeferimento da inicial, retratar-se em sede de recurso de apelação. Ocorrendo a retratação, o Réu será citado com a conseqüente angularização da relação processual, estabelecendo-se o contraditório.

Como assevera Gonçalves (2005, p.86), "denomina-se efeito regressivo a faculdade que alguns recursos atribuem ao órgão a quo de reconsiderar a decisão atacada".

Não sendo consumada a retratação, achando por bem o Juiz manter a sentença, deverá o Réu ser citado para responder ao recurso apelatório aviado. Não será o Réu citado para apresentar resposta (exceções, contestação ou reconvenção).

Sendo dado provimento ao recurso de apelação, o Tribunal não poderá julgar procedente de plano o pedido do Autor, sob pena de violação ao princípio do devido processo legal, o qual, a meu ver, constitui-se no princípio primário, sendo todos os demais decorrentes do mesmo (sub-princípios). Não tem incidência na fase recursal o regramento vazado no § 3º do artigo 515 do Código de Processo Civil, o qual diz respeito a recurso apelatório interposto em face de sentença de natureza processual, capaz de acarretar a extinção do processo sem resolução de mérito.

Por outro turno, a matéria recursal deverá ficar jungida à alegação de ser necessária a cassação da sentença para que o processo tenha curso regular, devendo o Autor demonstrar ao Tribunal que não era possível o julgamento imediato do mérito, conforme preconizado pelo artigo 285-A. Não será possível ao Autor, em sítio de recurso, discutir a justiça (error in judicando) da sentença com resolução de mérito que tenha dado pela total improcedência do pedido. Poderá o Autor apenas aduzir, em duplo grau de jurisdição, não estarem presentes os requisitos autorizadores do julgamento imediato do mérito.

Uma vez determinado o prosseguimento do processo, como conseqüência do provimento do recurso manejado pelo Autor, o Réu será intimado, a partir de quando começará a fluir o prazo para a apresentação da contestação.

É importante salientar que a sentença de total improcedência do pedido (declaratória negativa) terá o condão, exauridas as vias recursais, de adquirir a qualidade de coisa julgada material, surgindo a necessidade, apesar de omissa a lei, de ser o Réu intimado para que possa tomar conhecimento da imunização do comando emergencial emanado da sentença e possa, em caso de futura renovação da demanda por parte do Autor, alegar o impedimento processual da coisa julgada. Não pode ser olvidado que a coisa julgada material irradia seus efeitos para fora da relação jurídica processual em que proferida a sentença, tendo o Réu o direito de tomar conhecimento a respeito da ocorrência da coisa julgada para que possa evitar a renovação de lides não inéditas, já atingidas pela res judicata.


5 DA APLICAÇÃO DO INSTITUTO AO MICROSSISTEMA DA LEI Nº 9099/95

Não vejo nenhum óbice à aplicação do instituto do julgamento imediato do mérito no microssistema trazido pela Lei nº 9099/95. Ao revés, o sistema principiológico que norteia o processo nos Juizados Especiais Cíveis encontra conforto no novo instituto, o qual, como afirmado anteriormente, tem a finalidade precípua de celerizar o processo, evitando o curso de um processo em que se discutem temas estéreis, cujo o deslinde em torno da pretensão será, de forma inevitável, a de sua total improcedência. A simplicidade, com a conseqüente sumarização procedimental, como cediço, constitui-se em princípio fundamental dos Juizados Especiais Cíveis. Ademais, as normas emanadas do Código de Processo Civil, no que for omissa a Lei nº 9099/95, deverão ser aplicadas de forma supletiva ou subsidiária aos processos em curso nos Juizados Especiais Cíveis.

Entendo, contudo, por razões óbvias, não ser possível a aplicação do artigo 285-A aos processos de execução e cautelar, dada a peculiaridade da tutela jurisdicional a ser prestada nas referidas modalidades processuais. O processo de execução possui natureza satisfativa, tendo por escopo primordial a atuação da sanção, não se prestando ao acertamento de relação jurídica controvertida. Quero dizer que o processo de execução não visa à obtenção de uma sentença com resolução de mérito capaz de adquirir a qualidade de coisa julgada material.

O processo cautelar, por possuir natureza instrumental, visando garantir a eficácia de outro processo, não pode ser palco de sentença com resolução de mérito, única capaz de definir o direito subjetivo material controvertido. Portanto, estou certo de que o instituto em estudo não abrange o processo cautelar e de execução, ficando o seu campo de atuação reservado ao processo de conhecimento.


6 CONCLUSÃO

A Lei nº 11.277/2006, com a inserção no Código de Processo Civil do novo artigo 285-A, criou uma modalidade de julgamento imediato do mérito de natureza negativa, por ser possível apenas quando for julgado totalmente improcedente o pedido formulado pelo Autor (sentença declaratória negativa).

Portanto, possui o novo instituto um campo menor de incidência, sendo, neste particular, diferente das demais hipóteses de julgamento antecipado da lide, previstas no artigo 330, incs. I e II, do Código Instrumental Civil, uma vez que nas hipóteses de julgamento antecipado da lide o pedido poderá receber qualquer julgamento (procedência ou improcedência, de forma total ou parcial), aliado ao fato de que no julgamento antecipado o juiz não possui a mera faculdade de abreviar o procedimento com a prolação da sentença no estado em que se encontra o processo.

Por outro lado, o instituto em comento não vincula o Juiz aos seus julgamentos anteriores, podendo o julgador, a qualquer momento, mudar de convicção sobre os temas litigiosos trazidos à sua apreciação. Trata-se de uma mera faculdade colocada à disposição do Juiz, podendo o instituto do imediato julgamento do mérito produzir efeitos jurídicos positivos caso bem utilizado pelo julgador, o qual poderá evitar a repetição de demandas envolvendo temas estéreis, que há muito deixaram de ser azoinantes no universo jurídico, reservando para a atividade jurisdicional, desta forma, apenas os temas realmente relevantes, capazes ainda de gerar controvérsias.

Entendo, desta forma, que o legislador foi feliz com a inovação realizada, demonstrando, mais uma vez, a sua preocupação com a obtenção de um modelo processual ágil, capaz de propiciar ao Estado – Juiz a possibilidade de cumprir o seu compromisso constitucional de ofertar à sociedade brasileira uma tutela jurisdicional tempestiva, racional e efetiva.

Tomara que as modificações realizadas em nosso sistema processual, ao se oporem ao processo civil clássico, consigam fazer com que o processo brasileiro aproxime-se de um modelo instrumental capaz de assegurar às partes um tratamento simétrico, com a incidência de uma isonomia substancial, através da prática de um contraditório equilibrado capaz de gerar a paridade de armas ou forças entre os sujeitos do processo, com a garantia da consecução da efetividade das decisões jurisdicionais. O tempo indicará, com certeza, se as reformas ultimadas serão capazes de criar este modelo de processo ideal, instrumento de realização do justo. No julgamento prima facie do mérito (artigo 285-A), por sua vez, o sucesso da reforma dependerá, não tenho dúvidas, da aplicação sistemática do instituto por parte dos juízes. É necessário, assim, que o espírito da reforma seja agregado à consciência dos juízes, os quais, por serem os principais destinatários da salutar inovação, não devem demonstrar timidez na sua aplicação.


REFERÊNCIAS

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. vol. 1, 12ª edição, Lumen Júris, Rio de Janeiro: 2005, p.39.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. vol. 1, editora Malheiros, Rio de Janeiro: 2005, p. 134.

DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. 1º edição, editora Malheiros, Rio de Janeiro: 2005, p.56)

PASSOS, Carlos Eduardo da Fonseca. ADV-COAD – Informativo - Boletim Semanal nº 08, Rio de Janeiro: 2006, p.146.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 37º edição, vol. 1, Forense, Rio de Janeiro: 2004, p.360.

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 4ª edição, vol. 1, Saraiva, São Paulo : 2005, p.86.